Cristóvão, antes do batismo,
chamava-se Réprobo, porém, depois, se chamou Cristóvão, que é o mesmo que
dizer aquele que carrega Cristo, pois ele carregou Cristo em seus ombros,
transportando-o e guiando-o; em seu corpo, tornando-o esquálido; em sua
mente, pela devoção; e em sua boca, confessando-o e pregando a sua mensagem.
Cristóvão era de linhagem Cananéia,
de estatura elevada e ereta, rosto feio e aparência assustadora. Tinha doze
cúbitos de comprimento, e lemos em algumas histórias que, quando estava a
serviço do rei de Canaã, vivendo junto a ele, veio-lhe à mente procurar o
maior príncipe existente no mundo e a ele servir e obedecer. E foi tão longe,
que encontrou o legítimo grande rei, cuja fama geralmente era de que seria o
maior do mundo. E quando este rei o viu, tomou-o para o seu serviço e o fez
habitar em sua corte. Certa vez, um menestrel cantou perante ele uma canção
na qual citava constantemente o demônio, e o rei, que era um homem cristão,
ao ouvi-lo mencionar o demônio, traçou o sinal da cruz em sua fronte. E
quando Cristóvão viu isso, ficou curioso em saber que sinal seria aquele e
para que o rei o fizera, e lhe perguntou isso. E por que o rei não lhe queria
responder, ele disse: Se não me disserdes, não mais habitarei convosco. Então
o rei lhe explicou, dizendo: Sempre que ouço mencionarem o demônio, temo que
ele possa ter poder sobre mim, e eu me previno contra ele com este sinal, a
fim de que não me faça mal e não me perturbe. Então, Cristóvão lhe disse. Temeis
que o demônio vos possa fazer mal? Então, o demônio é mais poderoso e maior
do que vós. Por isso, fui enganado em minha esperança e em meu plano, pois
supunha ter encontrado o maior e o mair poderoso senhor do mundo, mas eu vos
recomendo a Deus, porque vou procura-lo para que seja o meu senhor, e eu, o
seu servo.
Em seguida, ele se despediu daquele
rei e apressou-se a ir em busca do demônio. E quando passava por um grande
deserto, avistou um grande séqüito de cavalheiros, no meio dos quais se
destacava um cavalheiro cruel e horrível que, aproximando-se dele, lhe
perguntou qual era o seu destino, e Critóvão, respondendo, disse-lhe: 'Estou
à procura do demônio, para que seja o meu senhor'. E ele lhe respondeu: 'Eu
sou quem procuras'. Então, Cristóvão ficou contente, pediu-lhe para ser seu
servo perpétuo e o tomou como seu mestre e senhor. E indo os dois juntos pelo
mesmo caminho, encontraram nele uma cruz erguida. O demônio, ao avistar a
cruz, logo ficou apavorado e fugiu, deixando o caminho normal, e, fazendo um
grande desvio, fez Cristóvão passar por um deserto árido. Mais trade, quando
já haviam contornado a cruz, reconduziu-o ao caminho principal que haviam
deixado. Quando Cristóvão perguntou porque hesitara e abandonara o caminho
principal e limpo e entrara num deserto assim tão árido, o demônio não quis
lhe explicar de forma alguma. Então, Cristóvão lhe disse: 'Se não me
disseres, separar-me-ei imediatamente de ti e não mais te servirei'. Ao que o
demônio se viu obrigado a lhe contar, dizendo-lhe: 'Havia um homem chamado
Cristo que foi suspenso numa cruz, e, quando vejo o seu sinal, fico apavorado
e fujo dele, onde quer que o veja'. Cristóvão disse-lhe: 'Então, ele é maior
e mais poderoso que tu, já que tens medo do seu sinal, e eu, agora, por não
ter encontrado o maior senhor do mundo, compreendo bem que trabalhei em vão.
E eu não mais servirei a ti; segue, pois, teu caminho, pois eu vou à procura
de Cristo'.
E após ter, durante muito tempo,
procurado e perguntado onde poderia encontrar Cristo, finalmente, chegou a um
grande deserto, até onde habitava um eremita, e este lhe falou de Jesus
Cristo e o instruiu diligentemente na fé e lhe disse: 'Este Rei a quem
desejas servir pede o serviço de jejuares muitas vezes'. E Cristóvão lhe
disse: 'Pede de mim qualquer outra coisa, que eu a farei, pois o que me pedes
eu não farei'. E o eremita lhe disse: 'Então, deves vigiar e orar
constantemente'. E Cristóvão lhe disse: 'Não sei o que isto seja. Não farei
tal coisa'. Então o eremita lhe disse: 'Conheces aquele rio assim e assim,
onde muitos pereceram e se perderam?' Ao que Cristóvão respondeu: 'Conheço-o
muito bem'. Então lhe disse o eremita: 'Como és de estatura nobre, elevada e
forte em teus membros, deves morar perto daquele rio, e transportarás pelo
mesmo todos quantos por ele precisarem passar, o que será algo muito
agradável a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem desejas servir, e eu espero que
Ele se mostrará a ti'. Então disse Cristóvão: 'Sem dúvida, este serviço eu
posso muito bem executar, e eu prometo a ele que o farei'. Em seguida,
Cristóvão foi até aquele rio e lá construiu uma morada para si e carregava
nas mãos uma grande vara, à guisa de bastão, para se apoiar dentro da água, e
assim transportava toda sorte de pessoas, sem parar. E lá habitou, executando
esse trabalho, durante muitos dias.
E certa vez, quando dormia em sua
choupana, ouviu uma voz de criança que o chamava e dizia: 'Cristóvão, sai de
dentro e vem carregar-me até a outra margem'. Então, levantou-se e saiu,
porém não viu ninguém. E voltando de novo para dentro da casa, ouviu a mesma
voz, correu para fora e não avistou ninguém. Pela terceira vez, foi ele
chamado e, saindo, viu uma criança à beira do rio, que lhe pediu por favor
que o transportasse para a outra margem. Então, Cristóvão pôs aquela criança
aos ombros, apanhou o bastão e entrou no rio para atravessa-lo. E a água do
rio subiu e aumentava cada vez mais; e a criança pesava como chumbo, e a cada
passo que dava rumo ao centro do rio, a água aumentava e crescia cada vez
mais, e a criança tornava-se mais pesada ainda, a tal ponto que Cristóvão
ficou muito angustiado e temia vir a afogar-se. Por fim, conseguiu escapar
daquela situação com grande esforço, fez a travessia e colocou a criança no
chão, e disse a ela: 'Menino, puseste-me num grande perigo; pesas tanto como
se tivesse o mundo sobre os meus ombros: não poderia carregar um peso maior'.
E o menino respondeu: 'Cristóvão, não te espantes, pois não só carregaste o
mundo inteiro em teus ombros, como também carregaste Aquele que criou e fez o
mundo inteiro. Eu sou Jesus Cristo, o Rei, a quem serves neste mundo. E para
que saibas que digo a verdade, põe teu bastão no chão, junto à tua casa, e
amanhã verás que ele estará coberto de flores e de frutos'. E desapareceu de
repente de sua vista. Então, Cristóvão colocou o bastão na terra, e, quando
levantou de manhã, encontrou-o parecido com uma palmeira, carregado de
flores, folhas e tâmaras.
Então, Cristóvão se dirigiu até a
cidade de Lícia e não conseguia entender a linguagem de seus habitantes.
Então, orou ao Senhor, para que fizesse com que pudesse entende-los, e assim
fez. E enquanto estava rezando, os juízes pensavam que estivesse louco, e o
deixaram lá sozinho. Então, quando Cristóvão pôde entender o que diziam,
cobriu o semblante e foi até o lugar onde costumavam martirizar os cristãos,
e os confortou em nome do Senhor. Então, os juízes bateram-lhe na face, e
Cristóvão lhes disse: 'Se eu não fosse cristão, eu vingaria esta ofensa'.
Então Cristóvão arremessou o seu bastão no chão e pediu ao Senhor que, para
converter aquelas pessoas, ele devia se cobrir de flores e de frutos. E logo
assim sucedeu. E então, converteu oito mil pessoas. E o rei enviou dois
cavaleiros para que o trouxessem, e o encontraram orando, e não ousaram lhe
dizer isso. E logo em seguida, o rei mandou muitos outros cavalheiros e logo
se puseram a rezar com ele. E quando Cristóvão se ergueu, disse a eles: 'O
que procurais?' E ao verem o seu semblante, lhe disseram: 'O rei nos mandou
aqui, a fim de amarra-lo e conduzi-lo até ele'. E Cristóvão lhes disse: 'Se
eu quisesse, não poderíeis me levar até ele, amarrado ou solto'. E eles lhe
disseram: 'Se quiseres seguir o teu caminho, vai livre, para onde quiseres. E
nós diremos ao rei que não te encontramos'. 'Assim não será', disse-lhes ele,
'mas eu irei convosco'. Então, ele os converteu à Fé, e ordenou-lhes que
deviam lhe atar as mãos às costas e conduzi-lo assim amarrado à presença do
rei. E quando o rei o avistou, ficou apavorado e caiu do trono. E os servos o
ergueram novamente. Então, o rei perguntou pelo seu nome e pela sua pátria. E
Cristóvão lhe respondeu: 'Antes de ser batizado, eu me chamava Réprobo, e
depois, eu sou Cristóvão; antes do batismo, um cananeu; agora um cristão'. Ao
que disse o rei: Tens um nome tolo, isto é, o nome de Cristo crucificado, que
não conseguiu livrar-se e não pode ser-te útil. Como, pois, maldizes os
cananeus, por que não sacrificas aos nossos deuses?' Cristóvão respondeu-lhe:
'Com razão te chamas Dagnus, pois és a morte do mundo e o companheiro do demônio,
e os teus deuses são obras de mãos humanas'. E o rei lhe disse: 'Foste
alimentado entre animais selvagens e por isso só podes falar uma linguagem
rude e palavras desconhecidas dos homens. E agora, se quiseres sacrificar aos
deuses, dar-te-ei grandes presentes e grandes honrarias, e se não quiseres,
destruir-te-ei e acabarei contigo, no meio de grandes sofrimentos e
torturas'. Mas, apesar de tudo isso, ele não se dispôs, de forma alguma, a
sacrificar, por isso ele foi mandado para a prisão, e o rei mandou decapitar
outros cavaleiros que havia mandado buscá-lo, e a quem ele convertera.
"Em seguida, o rei mandou
levar para dentro da prisão de Cristóvão duas mulheres bonitas, uma das quais
se chamava Nicéia e a outra Aquilina, e prometeu a elas grandes presentes
caso conseguissem fazer com que Cristóvão pecasse com elas. Quando Cristóvão
notou isso, prostrou-se em oração, e ao ser forçado por elas, que o abraçaram
para que se resolvesse a agir, ele se ergueu e disse: 'O que procurais? Para
que fim aqui viestes?' E elas, ficando assustadas com seu aspecto e com a
expressão clara do seu semblante, disseram: 'Ó santo de Deus, compadecei-vos
de nós, a fim de que creiamos neste Deus que pregais'. E quando o rei ouviu
isso, ordenou que as duas fossem retiradas de lá e trazidas à sua presença. E
lhes disse: 'Fostes enganadas. Mas conjuro-vos pelos meus deuses que, se não
sacrificardes a eles, sereis imediatamente castigadas com uma morte
horrível'. E elas lhe disseram: 'Se quiserdes que sacrifiquemos, ordenai que o
lugar fique livre e que todas as pessoas se reúnam no templo'. Quando isso
foi feito, elas entraram no templo, tomaram os cintos e os colocaram em volta
do pescoço dos deuses e os arrastaram até o chão, e os fizeram em pedaços. E
disseram aos que estavam presentes: 'Chamai os médicos e os que trabalham com
sanguessugas para que curem os vossos deuses'. Então, por ordem do rei,
Aquilina foi enforcada, e uma enorme pedra foi amarrada e suspensa aos seus
pés, de modo que os seus membros foram quebrados de modo horrível. E quando
estava morta e passou para o Senhor, sua irmã Nicéia foi atirada a uma grande
fogueira, porém ela conseguiu sair ilesa, intacta. Então eles mandaram
decepar-lhe a cabeça à força e assim sofreu a morte.
A seguir, Cristóvão foi trazido à
presença do rei. Este ordenou que fosse torturado com varas de ferro e
colocada em sua cabeça uma cruz de ferro em brasa. Em seguida, após mandar
fazer um recipiente de ferro e pôr Cristóvão amarrado dentro dele, ordenou
que colocassem fogo por baixo, e o enchessem de piche. Mas o recipiente se
derreteu como cera, e Cristóvão saiu sem qualquer ferimento ou queimadura. E
o ver isso, o rei ordenou que fosse amarrado a um poste resistente e fosse
crivado de flechas por quarenta arqueiros. Contudo, nenhum daqueles arqueiros
conseguiu acertá-lo, pois as flechas ficavam imóveis no ar, próximas a ele,
sem toca-lo. Então o rei, imaginando que tivesse sido atravessado pelas
flechas dos arqueiros, dirigiu-se até ele para ficar bem perto. E uma das
flechas, virando-se repentinamente no ar, atingiu-o num dos olhos, deixando-o
cego. Cristóvão disse-lhe: 'Tirano, vou morrer amanhã. Fazei um pouco de lama
misturada ao meu sangue e ungi com ela vosso olho e sereis curado'. Então, à
ordem do rei, ele foi levado para que lhe cortassem a cabeça. Fez a sua
oração, e a cabeça lhe foi decepada, e assim sofreu o martírio. E o rei então
pegou um pouco do seu sangue e o colocou na vista, e disse: 'Em nome de Deus
e de S. Cristóvão' e logo ficou curado. Então o rei acreditou em Deus e deu
ordens para que, se qualquer pessoa culpasse a Deus ou a S. Cristóvão,
deveria ser imediatamente morto à espada.
Esta é, com algumas alterações, a
história de S. Cristóvão, extraída da Legenda Áurea, da forma como foi
traduzida para o inglês por William Caxton, uma história conhecida em toda a
cristandade, tanto no Oriente como no Ocidente. Dela surgiu a crença popular
de que todo aquele que contemplasse uma imagem do santo naquele dia não
sofreria mal algum: crença essa que foi responsável pela colocação de grandes
estátuas e afrescos que o representavam na parte oposta à entrada das igrejas
(algumas das quais ainda existem em nosso próprio país), de forma que todos
os que entrassem pudessem vê-la. Ele era o santo padroeiro dos viajantes,
sendo invocado contra os perigos representados pelas águas, tempestades e
pragas. E, em épocas mais recentes, encontrou uma popularidade renovada como
padroeiro dos motoristas.
A lenda de S. Cristóvão só assumiu
a sua forma final na Idade Média: seu nome latino Christophorus (o que leva
Cristo), além de ter um significado espiritual, recebeu também um significado
material. A história foi enfeitada pela vitalidade da fantasia medieval.
Excluindo-se o fato de ter existido, realmente, um mártir de nome Cristóvão,
nada se sabe ao certo a respeito do mesmo: O Martirológio Romano diz que ele
sofreu o martírio na Lícia, sob o Imperador Décio, morto por flechas e
decapitado, após sair ileso das chamas.
Os muitos pontos interessantes que
surgem em conexão com S. Cristóvão são amplamente discutidos pelo Dr. R.
Hindringer, no Lexikon fur Theologie und Kirche, vol. II, cols.
934-936, e por H.F. Rosenfeld, der ht. Christophorus (1937). Houve indubitavelmente um S. Cristóvão, cujo
culto estava bastante difundido no Oriente e no Ocidente. Uma igreja na
Bitínia lhe foi dedicada em 452. A lenda primitiva nos conta a respeito da
procura de um mestre por parte de S. Cristóvão ou sobre o seu trabalho de
transportar os viajantes através dos rios, porém, sua estatura gigante e seu
aspecto assustador são amplamente descritos, bem como o seu bastão que
cresceu e floresceu, quando atirado ao chão. O incidente com Aquilina e sua
companheira é, também, colocado em evidência, e temos a mesma série absurda
de tentativas infrutíferas para levar o mártir à morte. Os textos latinos e
grego da lenda primitiva, em diversas revisões, foram publicados em Acta
Sanotorun, julho, vol. VI; em Analecta Bollandiana, vol. I, p. 131-148, e X,
p. 393-405; e em Acta S. Marinae et S. Christophori de H. Usener. Existe também
um texto sírio entre os manuscritos do Museu Britânico (Adic. 12, 174). Para
S. Cristóvão na arte, vejam-se Kunstle, Ikonographie, vol. II, p. 154-160, e
Drake, Saints and their Emblens; e do ponto de vista do folclore,
Bachtold-Staubli, Handworterbuch dês deutschen Aberglaubens, vol. II, p.
65-75; porém a maioria dos folcloristas, por exemplo, H. Gunther, se preocupa
em descobrir supostas origens pagãs para as práticas de devoção a ele, na
Idade Média.
Texto enviado por José Cleves Aguiar
QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!
Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!
Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!
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