Dom Vital Corbellini
- TERÇA, 18 NOVEMBRO 2014 16:26
- CNBB
Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá - PA
Introdução
Gregório Magno foi bispo de Roma, Papa da Igreja de 590 a 604. Ele estimulou a evangelização dos povos, sobretudo os anglo-saxônicos, os povos da Inglaterra. Ele dedicou a João, bispo de Ravena um tratado importante: Regra Pastoral. Ele tem presentes o cuidado pastoral do pastor, a dedicação para com o seu povo de modo a superar a idéia de uma leviandade, a mediocridade; quem o aspira e o alcança ser guia das almas como presbítero ou como bispo, manifeste temor por ter tal poder e missão. O Papa deu normas para quem fosse chamado e eleito ao mais alto graus do governo pastoral, da forma como ele conseguiu, para que a sua vida seja boa, o seu ensinamento seja correto, para assim dar um bom testemunho de vida.
Numa época em que se focaliza a necessidade de ter bons pastores que amem a Jesus Cristo, o "pastor dos pastores", que sejam pastores com "cheiro das ovelhas" na expressão do Papa Francisco, que sejam dedicados ao seu povo e esse esteja ligado também aos seus pastores, é importante fazer uma análise na Regra Pastoral nas duas primeiras partes, para que essa seja uma luz para aqueles que têm uma responsabilidade na comunidade cristã, seja no presente, seja para aqueles que o terão no futuro. Um pastor só tem sentido de ser quando tem como exemplo de vida, o pastor verdadeiro, Jesus Cristo, que deu tudo de si mesmo para a vida do rebanho(cf. Jo 10,11). A seguir faz-se uma análise do escrito em referência aos requisitos que o pastor tenha e as normas para a existência do mesmo.
1. Os requisitos do pastor de almas
Na primeira parte, Gregório Magno alude aos requisitos necessários para alguém tornar-se pastor de pessoas e da comunidade cristã. Não existe qualquer arte que receba tanta consideração senão esta: o cuidado com as almas. Quanta temeridade tem aqueles que possuem consciência do mesmo, sabendo que o governo das almas é a arte das artes. Dessa forma, ele não pode improvisar-se.
O pastoreio das almas não seja cumprido como uma honra humana. Muitos, o Papa diz, aspiram à glória do governo das almas, gostam como os fariseus de passar por mestres, amam as primeiras saudações nas praças e gostam de ocupar as primeiras cadeiras nas reuniões(cf. Mt 23,6-7). O cuidado pastoral seja exercido com humildade, mas aqueles que o assumirem, com orgulho, são incapazes de acolher a própria missão dada no serviço.
Outro requisito do pastor é a sua ocupação pelas almas, pelas pessoas. Ele é pastor de um povo, de modo a se ocupar pelo bem do mesmo, conduzindo-o à glória de Deus. Gregório tem presentes as diversas atividades que o pastor é chamado a realizar em seu ministério pastoral: tratar de questões de Igreja, dos sacerdotes, dos mosteiros, moderar a vida e as ações de outrem, auxiliar em certos negócios dos cidadãos, temer as espadas dos bárbaros, temer os lobos que rondam o rebanho. Tudo isso não deve desviar o ponto fundamental que é o bem das almas e a glória de Deus. Ora, quando não há clareza nesse ponto, a pessoa se sente confundida, e uma mente confusa divide-se em muitas ocupações. Assim a Palavra de Deus adverte os pastores: “Filho, não te apliques em muitas atividades”(Eclo 11,10). O fato é que a mente dividida não pode recolher-se na consideração exigente de cada coisa, dando, quem sabe, mais valor ao exterior da pessoa que à unidade do espírito, que até pode manifestar o conhecimento de muitas coisas, mas não conhece a si mesmo. O poder que o pastor possui não pode transformá-lo em exaltação própria, mas no serviço, como o fez o servo por excelência, Jesus Cristo.
Outro requisito refere-se ao amor preferencial do pastor para com Jesus. Este fará a existência do pastor. Ele o manifestará dando a sua vida pela causa assumida no ministério presbiteral ou episcopal. A pergunta do Senhor a Pedro fica como questionamento e busca de prática: “Amas-me mais que esses?”(Jo 21,15). O amor a ele impede o amor de si, o egoísmo, um amor que não seja aquele de entrega ao Senhor Jesus, de modo que não tenha medo de admoestar os fiéis nas coisas que devem ser ditas. Um amor maior a si mesmo, ao invés de dá-lo ao Criador em Jesus, seu Filho, não possibilita a fidelidade, o amor verdadeiro para com o rebanho. Aquele que ama mais a verdade, Jesus Cristo, que a si próprio se doa alegremente ao rebanho, porque carrega a certeza da presença dele. Tudo é feito conforme a vontade do Pai. Sabe que pode errar e por isso deixa-se corrigir como Pedro foi corrigido por Paulo (cf. Gl 2,11s). Se o seu amor for verdadeiro a Jesus Cristo, os pastores vão levar os seus fiéis ao amor da verdade, Jesus Cristo.
2. A existência e a importância do pastor
Se na primeira parte colocam-se os requisitos para uma boa atuação do pastor, na segunda parte o Papa Gregório têm presente a vida do mesmo (pastor), prescrevendo normas e indicações. Não basta ser eleito como pastor da comunidade; é preciso sê-lo de uma forma integral. Ora, para isso é preciso muita dedicação e amor. O bispo de Roma diz que o comportamento do pastor seja superior àquele do povo, no sentido do bom exemplo, do empenho pessoal, porque é para ele que o 'povo' é chamado 'rebanho'.
Outro dado fundamental na vida do pastor é que ele seja próximo a cada um com a compaixão e seja mais que todos dedicado à contemplação, para assim assumir em si mesmo a debilidade de outros e chegar à altura da contemplação. Ainda que ele se aproxime das fraquezas dos outros, ele não deixe de lado as aspirações das coisas do alto. Paulo é conduzido ao céu pela contemplação, mas não deixa de lado, na solicitude, a ocupação das coisas carnais, exteriores(cf. 2 Cor 12,2). Os profetas e patriarcas, como Jacó, iam para o alto, pela contemplação do Senhor e desciam para viver junto aos seus membros. Da mesma forma, Moisés entrava no tabernáculo para meditar os mistérios de Deus, contemplar os seus desígnios, mas, ao mesmo tempo, não deixava de carregar os pesos das realidades carnais, sendo prensado pelas necessidades das criaturas e de seu povo escolhido por Deus(cf. Ex 39-40; Lv 15 ). A caridade faz o pastor elevar-se às alturas como também ter misericórdia para com aqueles e aquelas que sofrem e assim unir-se às baixezas do próximo.
Outro dado na guia das almas, por parte do pastor, é que ele seja um humilde aliado de quem faz o bem e pelo seu zelo de justiça seja inflexível contra os vícios dos pecadores. Ele seja igual aos outros que se esforçam em fazer o bem, e em relação aos maus afirme os valores da verdade, da justiça e do amor. O fato é que o guia das almas, por ser proposto aos outros, pode cair na tentação da exaltação própria, porque tudo está à sua disposição, pois as suas ordens são quase sempre assumidas, respondidas segundo o seu desejo, os súditos o louvam, por ter feito algo de bom e não possui alguma autoridade, quando realiza algo de mau; às vezes, o louvam quando deveriam desaprová-lo. Favorecido pelas coisas exteriores valoriza mais o apressamento dos outros, acreditando que a sua fama seja assim com os mesmos (outros) e não diferente da que ele deveria reconhecer em seu íntimo. Uma coisa é certa para o bispo de Roma: o pastor não deve julgar-se mais sabedor que os outros, já que possui uma natureza humana igual e por isso o pastor não se julgará superior aos outros.
Outro aspecto importante do pastor, do guia das almas, não deixe o cuidado da vida interior estar por demais preso nas ocupações externas, nem deixe de lado as necessidades exteriores por causa do bem interior. Alguém que é guia não pode dedicar-se só às coisas exteriores ou só às coisas interiores. O guia deve realizar a prudência, a conciliação das duas partes para não ficar oprimido pelas atividades e ocupações terrestres de modo que se esqueça das celestes. Nesse sentido, Gregório têm presentes as palavras de Jesus, para que os corações não estejam por demais ligados em muitas preocupações desta vida, de modo que não pegue a pessoa de improviso no dia de sua chegada (cf. Lc 21,34-35). Ele também têm presentes as palavras de Paulo(cf. 1 Cor 6,4) de ocupar-se com as coisas verdadeiras, santas e não com atividades que impedem de viver a vocação, a santidade de vida. Assim o guia das almas deve infundir as verdades espirituais e prover às necessidades exteriores. Os pastores sejam fervorosos dos interesses espirituais de seus fiéis, como também não deixem de lado a vida deles no exterior. O ânimo do rebanho não acreditará na pregação do pastor, se ele deixa de lado a ajuda exterior.
Conclusão
Gregório têm presente, na Regra Pastoral, o valor do pastor das pessoas, das almas que vivem profundamente a sua intimidade com Deus, com a palavra de Jesus Cristo, porque ele um dia foi constituído guia de um povo. Ora, a certeza de um primeiro amor no qual ele foi amado, escolhido, possibilite um amor ao próximo. Tudo isso é feito, sobretudo pela aproximação da Palavra de Deus a qual ele medita, a vive para proclamá-la para os outros, pela leitura dos sinais dos tempos, estando aberto à voz do Espírito Santo que sopra onde quer(cf. Jo 3,7-8). Ora, o pastor de almas têm sentido, quando a sua vida é doada para os outros como Jesus Cristo fez pela salvação de todos. Há sentido de ser pastor, não pela vanglória, pelos interesses pessoais ou a busca do poder; tudo isso passa, o que importa é que o pastor tenha um grande amor a Jesus Cristo, ao seu Reino e ao rebanho confiado. O mundo necessita de pastores atentos aos sinais de Deus que se revelam nas pessoas, nos acontecimentos eclesiais e sociais. O pastoreio deve ser guardado por pastores que o amam, o anunciam para os outros e dão a vida como Jesus Cristo fez por toda a humanidade.
Bibliografia Geral
- Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristãs. Petrópolis, RJ: Vozes, Paulus: 2002.
- Gregório Magno. Regra Pastoral, vol. 28. Paulus, SP.
- GANDOLFO, E. Gregorio Magno, papa in un’epoca travagliata e di transizione. Roma: Città Nuova Editrice, 1994.
- GREGORIO MAGNO, La Regola Pastorale. Traduzione, Introduzione e Note a cura di M. T. LOVATO. Roma: Città Nuova Editrice, 1990.
- Obras de San Gregorio Magno, Madrid: BAC, MCMLVIII.
- Patrologia, IV, a cura di A. DI BERARDINO. Genova: Editrice Marietti, 1996.