Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Na liturgia do 11º Domingo do Tempo Comum, no Evangelho, Jesus foi convidado a almoçar por um fariseu chamado Simão (Cf. Lc 7,36-8,3). Quando estavam à mesa, entra uma mulher e vai diretamente a Cristo. Era uma mulher pecadora que havia na cidade, e que decidiu ter um encontro pessoal com o Senhor. E dá amplas mostras de arrependimento e de contrição: “Ela trouxe um frasco de alabastro com perfume, e, ficando por detrás, chorava aos pés de Jesus; com as lágrimas começou a banhar-lhe os pés, enxugava-os com os cabelos, cobria-os de beijos e os ungia com o perfume” (Lc 7, 37-38). Sabemos o que se passava no seu íntimo pelas palavras posteriores do Senhor: Amou muito. Mostrou que professava por Jesus uma veneração sem limites. Esqueceu-se dos outros e de si mesma; só Cristo é que importava.
São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou. A cena termina com as consoladoras palavras do Senhor: “Tua fé te salvou. Vai em paz.” (Lc 7, 50). Recomeça a tua vida com uma nova esperança.
As leituras deste Domingo ilustram-nos esta realidade. Primeiro, a pobreza de Davi (cf. 2Sm 12,7-10.13) que, apesar de forte militarmente e rei de Israel, não hesita em reconhecer seu pecado com toda humildade diante do profeta do Senhor: “Pequei contra o Senhor” – diz o rei. Davi não usa máscara, não procura justificar-se com desculpas. Reconhece-se pequeno, frágil, limitado... humilha-se ante o Senhor. A resposta do Senhor é imediata: “De sua parte, o Senhor perdoou o teu pecado, de modo que não morrerás”. Depois, as duas figuras contrapostas do Evangelho: de um lado Simão, cheio de si, de sua própria justiça, seguro de si próprio, julgando-se em dia com Deus e com seus preceitos e, por isso mesmo, fechado para a misericórdia e a delicadeza para com os outros. Jesus o desmascara: “Quando entrei na tua casa, tu não me ofereceste água para lavar os pés... Tu não me deste o beijo de saudação... Tu não derramaste óleo na minha cabeça”. Simão, cheio de si, nunca pensou de verdade que precisasse de um Salvador e, por isso, não foi aberto para Jesus e para o Reino. Recebeu Jesus exteriormente, mas não aderiu a Ele interiormente, de todo coração! Por outro lado, a mulher pecadora, adúltera pública, derrama as lágrimas e o coração aos pés de Jesus, com toda simplicidade, com toda sinceridade, do fundo de sua miséria... Reconhece-se pecadora, quebrada, infiel; sem máscara nenhuma, mostra-se ao Senhor e suplica Sua misericórdia. Por isso, pode ouvir: “Teus pecados estão perdoados. Vai em paz”!
“Ama pouco – comenta Santo Agostinho – aquele que é perdoado pouco. Tu que dizes não ter cometido muitos pecados, por que não os cometeste? Sem dúvida porque Deus te conduziu pela mão. Não há nenhum pecado cometido por um homem que não possa ser cometido por outro, se Deus, que fez o homem, não o sustenta com a sua mão”.
Não podemos esquecer a realidade das nossas faltas, nem atribuí-las ao ambiente, às circunstâncias que rodeiam a nossa vida, ou admiti-las como algo inevitável, desculpando-nos e fugindo da responsabilidade. Se o fizéssemos, fecharíamos as portas ao perdão e ao reencontro verdadeiro com Deus, tal como aconteceu com o fariseu. “Mais que o próprio pecado – diz São João Crisóstomo – que irrita e ofende a Deus é que os pecadores não sintam dor alguma dos seus pecados”. E não pode haver dor se nos desculpamos das nossas fraquezas. Devemos, pelo contrário, examinar-nos em profundidade, sem nos limitarmos a aceitar genericamente que somos pecadores. “Não podemos ficar na superfície do mal – dizia o então Cardeal Wojtyla (São João Paulo II) –; é preciso chegar à sua raiz, às causas, à verdade mais profunda da consciência.” Jesus conhece bem o nosso coração e deseja limpá-lo e purificá-lo.
Pois bem: faz parte do núcleo da convicção cristã que não nos bastamos, que somos pobres e, sozinhos, jamais nos realizaremos plenamente. É o que São Paulo exprime na Segunda Leitura da Missa (Gl 2,16.19-21): aos cristãos de origem judaica, ele recordava que a salvação não vem das obras da Lei de Moisés, de nossa própria bondade, mas unicamente da fé em Jesus, presente de Deus, misericórdia de Deus para nós. É esta, muitas vezes, a nossa dificuldade: compreender que somos todos pobres diante de Deus; precisamos dele, a ele devemos abrir nossa mente, nosso coração, nossa vida. Aí, sim, o Reino de Deus começará a acontecer, e Deus, em Cristo, reinará de verdade na nossa vida e, através de nós, na vida do mundo. Peçamos à Virgem Maria, refúgio dos pecadores, que nos obtenha do seu Filho uma dor sincera dos nossos pecados e um amor maior que as nossas faltas.
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