Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
O mundo celebra, todos os anos, o Dia da Tolerância, oportunidade para que cada pessoa reconheça a necessidade de vivenciá-la no cotidiano. A tolerância é valor necessário para o equilíbrio da sociedade. Quando se desconsidera esse valor, crescem na humanidade as inimizades, os revanchismos e muitas outras ameaças às relações pessoais, políticas e institucionais. Por isso, tolerância não pode ser compreendida apenas como uma questão governamental, relacionada ao tratamento das religiões que se diferem daquela que é partilhada pela maior parte de uma nação. O ocidente inaugurou, a partir da Reforma Protestante e das guerras motivadas por disputas religiosas uma grande modificação no entendimento desse conceito, tornando-o mais abrangente.
A evolução da tolerância enquanto valor social pode ser percebida a partir das reflexões de muitos filósofos, que advertem a respeito da existência de uma prisão: por muitas vezes, pessoas se enjaulam na própria opinião quando se encontram com alguém que pensa diferente. Uma rigidez alicerçada na desconsideração de conceitos morais, na estreiteza de horizontes, na mediocridade de intuições e inventividades. Essa dureza traz impactos na dimensão relacional e gera o malefício terrível da intolerância. Mata diálogos, tenta justificar autoritarismos, fomenta discriminações e permite que sejam erguidas as bandeiras da exclusão, da desconsideração de raças, culturas e povos. É, assim, base para preconceitos e abusos de poder.
A intolerância inviabiliza entendimentos e gera o caos, por obscurecer princípios básicos e, consequentemente, dar lugar às tiranias e às impiedades. Condutas que são alicerçadas nas razões afetivas contaminadas por desvios éticos e morais. Entre os desdobramentos, estão as concessões de todo o tipo oferecidas aos próprios pares, enquanto se trata, impiedosamente, os diferentes. Antídoto para esse mal é a tolerância compreendida a partir de sua evolução conceitual, política e social, que se relaciona à compreensão mútua entre os que partilham perspectivas divergentes. Uma atitude indispensável para não inviabilizar o funcionamento social e político, como também as relações familiares e institucionais.
Da tolerância de governos, apontada pelo filósofo Locke, na sua Carta sobre a Tolerância, “escancaram-se as portas” para uma compreensão mais ampla e determinante na vida da sociedade: agir com tolerância evita um caos social e político que recai sobre a cabeça de todos. É conduta imprescindível para se conquistar a paz, o bem, o respeito à dignidade humana e o progresso nas relações que tecem a cultura. Assim, quando a tolerância norteia atitudes, alcança-se um grau admirável de civilidade, com desdobramentos na organização social e política. Já a direção oposta a esse qualificado modo de agir leva ao crescimento das segregações, do ódio e das disputas que alimentam os focos de guerra, gerando xenofobias e massas de refugiados perseguidos. As consequências também são percebidas nos lares, nos escritórios e nas repartições públicas, frequentemente contaminados pela desarmonia.
No horizonte amplo e fundamental do conceito de tolerância, é urgente exercê-la, especialmente, trilhando os caminhos de uma espiritualidade que pode, com mais eficácia e rapidez, qualificar cada pessoa para conviver com quem é diferente. Essa espiritualidade sustenta a tolerância que fecunda projetos, respeita e promove dignidades, salva a sociedade da violência e de outras ameaças. Nesse sentido, oportunidade de ouro é conhecer o Evangelho da Tolerância, que reflete o jeito de uma pessoa: Jesus Cristo, o Mestre de Nazaré.
A vida de Jesus é o Evangelho da Tolerância, escrito para nortear os gestos cotidianos de todos e, assim, sustentar grandes transformações. A luz desse Evangelho balizou a essencialidade das práticas do cristianismo em interface com outras religiões e escolhas confessionais. Encontros guiados por valores que superam a mesquinhez do egoísmo e permitem compreender que qualquer tipo de discriminação é inadmissível. Parâmetros a partir dos quais se reconhece que o mundo é de Deus e deve ser partilhado, igualmente, por todos.
Nesse rico Evangelho da Tolerância há um núcleo fundamental, nascido no coração de Jesus e eternamente desenhado por suas palavras: o Sermão da Montanha, capítulos cinco a sete, apresentado pelo evangelista Mateus. Trata-se de uma leitura a ser adotada diariamente, fecundando a meditação que orienta as práticas do dia a dia. A preciosidade desse núcleo pode ser reconhecida a partir do comentário instigador e provocante de Mahatma Gandhi, ao dizer que se os cristãos levassem a sério o Sermão da Montanha, operariam uma radical revolução no mundo, nas relações e nos propósitos, desencadeando uma civilização fundamentada no amor e na paz.
O exercício diário de ler o Sermão da Montanha é simples e custa muito pouco - somente o tempo do silêncio restaurador, que também é fonte de sabedoria e de saúde. Por isso, todos são convidados a praticá-lo, reservando um breve momento para, individualmente, em família, no trabalho, ou mesmo na roda de amigos, ler um trecho, ainda que seja um só versículo. Assim é possível exercitar o coração e a vida no Evangelho da Tolerância.
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