Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
A vida da Igreja tem épocas, chamadas de tempos fortes, nas quais não se tira o valor das outras fases do ano, mas se abastece a vida espiritual, em vista do caminho a ser percorrido. Quem é cristão se reconhece peregrino do Absoluto, chamado a conquistar muitas outras pessoas, pela palavra e pelo testemunho de vida, caminhos de Evangelização, para que toda a humanidade caminhe rumo a Deus, realizador de todas as esperanças humanas.
A Quaresma pede oração, caridade vivida e mortificação ou penitência. Queremos rezar mais e melhor. Mortificação e penitência serão nossos esforços para educar os sentimentos e a vontade, tantas vezes flácidos pelo acomodamento e passividade. Somos chamados a dar novo ânimo à sociedade, carente de grandes ideais que podem transformá-la ou, mais ainda, transfigurá-la. E, ao celebrar o Ano Mariano Nacional, deixemo-nos conduzir pelas mãos da Virgem Maria, aquela que não mediu esforços e dedicação para viver como nova criatura, transfigurada pelo amor de Deus, que a escolheu.
Em nossa peregrinação quaresmal, olhando uns para os outros e para dentro, somos chamados a reconhecer os limites e possibilidades da humanidade. Vem ao nosso encontro o Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Passando pelas estradas do mundo e convivendo com seus primeiros discípulos, estes se manifestaram temerosos diante dos desafios, assustados com a perspectiva da Cruz anunciada pelo Senhor. Num gesto de atenção, escolhe dentre eles três testemunhas, Pedro, Tiago e João, gente de amizade provada, levando-os a um monte que a tradição localizou no Tabor (Mt 17, 1-9). Era carinho de Deus para que lhes fosse afastado o escândalo da Cruz!
Subiram para rezar (Cf. Lc 9, 28)! E já começa a mudança, pois quem se eleva em direção a Deus carrega consigo o mundo e já limpa seus olhos. Quem reza vê mais longe e vê melhor! E estavam unidos, com a presença de Jesus que se transfigurou diante deles. Amigos que rezam juntos! Tudo pronto para se revelar a face gloriosa de Cristo!
Como delicadeza diante daqueles que, bons judeus, sabiam serem necessárias duas testemunhas para assegurar a veracidade de um fato, permite-lhes ver nada menos do que Moisés e Elias, a Lei e os Profetas! Aquele a quem seguiam era de verdade o prometido. Mais ainda, a voz do Pai e o sinal da presença do Espírito Santo na nuvem luminosa. Mergulharam na vida da Trindade, condescendência infinita para com aqueles que representavam toda a humanidade e a imensa multidão dos discípulos dos séculos afora, até o fim dos tempos.
Foi-lhes recomendado silêncio até que a glória viesse completa, na Ressurreição do Senhor, também para que muitos aceitassem fazer a maravilhosa aventura da fé, sem medo de serem discípulos! É necessário primeiro arriscar-se na fé! A visão vem depois e o risco é nosso! Serenidade e calma, um passo depois do outro, e o dia se faz!
Entro no coração dos discípulos da transfiguração e imagino seus olhos depois da transfiguração de Jesus. Sua visão não era mais turva, mas conseguiam entender o que vem depois dos fatos, dos mais corriqueiros aos mais dolorosos. Eis o testemunho de Pedro: “efetivamente, ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando do seio da esplêndida glória se fez ouvir aquela voz que dizia: Este é o meu Filho bem-amado, no qual está o meu agrado. Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E assim se tornou ainda mais firme para nós a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (2 Pd 1, 17-19).
Os cristãos, tendo conhecido seus limites, compartilhados com todos os seres humanos, mas acolhidos na estrada da felicidade que desemboca na ressurreição, sabem ser portadores, se viverem unidos em nome de Jesus, do segredo da luz. Podem ser radiantes de felicidade e comunicá-la aos outros. É a maravilhosa vocação do cristão, que no monte ou na planície, caminha para Deus, com Deus e com toda a humanidade. Olhos límpidos lavados por Deus para enxergar o bem e espalhá-lo com alegria!
A segunda semana da Quaresma, neste Ano Mariano, será vivida junto com a Virgem Maria, aquela que encontrou graça diante de Deus (Cf. Lc 1, 30). Sua existência foi toda iluminada e transfigurada, pois se revestiu totalmente da Palavra de Deus. Subimos ao Monte da Transfiguração e vemos em Maria, Virgem toda bela, transparência da luz de Deus, a grandeza de uma das vocações mais expressivas na Igreja, a Virgindade, uma forma ousada de Evangelização. Diante de todas as provocações suscitadas pelo pecado, temos a coragem de propor de novo o caminho da Virgindade e da castidade aos nossos adolescentes e jovens, como preparação ao matrimônio. Queremos, sim, com o coração de Maria e dos discípulos de todos os tempos, contemplar o que aparentemente é desprezado e considerado ultrapassado, para proclamar a proposta da virgindade e da pureza. A Consagração virginal, um dom permanente na vida da Igreja, assim como o voto de castidade, são propostos como ponto de referência à nossa conversão e à oração quaresmal. E também a preparação casta para o matrimônio resplandece como luz que transfigura o rosto da humanidade, diante de Jesus, o Virgem, e de Maria, sua Mãe, Virgem.
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