Celebrar
a Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo significa
lembrar, sobretudo, que a Igreja é apostólica. Para nós católicos,
é uma realidade fácil de aceitar que a Igreja de hoje seja a mesma
de dois mil anos atrás, exatamente a mesma fundada por Deus. Para os
protestantes, porém, as igrejas, com "i" minúsculo, não
passam de instituições frágeis fundadas pelos homens. Cristo mesmo
não teria fundado nenhuma instituição visível, deixando aos Seus
seguidores esse encargo. É por isso que, para os evangélicos, não
é escândalo nenhum que alguém, ao discordar do pastor de sua
igreja, decida fundar outra igreja. Igrejas, em sua concepção, são
realmente como um "negócio", um empreendimento que se
começa e se acaba quando se bem entende.
Nós,
ao contrário, cremos que a Igreja é um mistério instituído pelo
próprio Senhor. Ela cresceu ao longo dos séculos como uma planta,
com todas as suas dificuldades, mas tendo sempre a mesma vida divina
dentro de si, graças à ação de seu Divino Fundador. Por isso, é
possível dizer que a Igreja é a continuidade do corpo de Cristo na
história.
Para
entender como essa instituição – que aparentemente mudou tanto ao
longo dos séculos – pode permanecer sendo a mesma Igreja Católica,
fundada por Jesus Cristo (cf. Mt 16,
18), tomem-se como exemplo as nossas mães. Na sua juventude, as
mulheres possuem uma aparência muito bonita, um corpo jovial e uma
pele lisa e macia. Com o tempo, porém, a sua beleza física se
esvai, o seu corpo vai decaindo e a sua pele começa a encher-se de
rugas e estrias. Ainda que o seu aspecto exterior mude, porém, as
mães permanecem as mesmas, conservam a sua identidade e os filhos
continuam a amá-las ternamente. Quem quer que consiga perceber que,
mesmo mudando as aparências, as pessoas não deixam de ser o que
são, é capaz de compreender o conceito de substância.
De fato, esse termo se refere a algo que não pode ser captado pelos
sentidos, mas tão somente pela inteligência. O que a visão e os
outros sentidos conseguem alcançar são apenas os acidentes das
coisas. A sua substância, porém, o que lhes dá identidade, é algo
invisível.
Assim
acontece também com a Igreja. Hoje, quem vai ao Vaticano pode entrar
em templos majestosos, como a Basílica de São Pedro, e o Papa
Francisco, mesmo em sua humildade e despojamento, não ousa dispensar
os seguranças de perto de si (afinal, ele, sendo o chefe visível da
Igreja de Cristo, é muito visado pelos inimigos da fé). Nos
primeiros anos da Igreja, porém, quem era São Pedro, senão um
pescador pobre e analfabeto de Cafarnaum?
Diante
dessas grandes diferenças de aparência na Igreja, os críticos
dizem que não se trata da mesma instituição e que a verdadeira
comunidade fundada por Cristo se perverteu no decorrer dos séculos.
O erro desses detratores está em que se detêm apenas nos acidentes
e realidades sensíveis da Igreja, ignorando que a sua substância,
identidade e essência continuam as mesmas.
Foi
a partir do filósofo alemão Friedrich Hegel († 1831) que os
homens começaram a perder a noção de continuidade. Para esse
pensador, a história seria uma "metamorfose ambulante",
com teses, antíteses e sínteses constantes e subsequentes, sem que
a realidade tivesse uma substância e uma identidade. Influenciadas
por esse pensamento, as pessoas começaram a viver sem raiz e sem
tradição, sempre tentando "reinventar a roda" e criar
novamente o que, no fundo, elas só precisavam aceitar da "democracia
dos mortos" [1] e passar adiante.
A
influência dessa filosofia na Igreja tem efeitos ainda piores do que
nos assuntos puramente humanos. Quando se tenta subverter, além das
verdades naturais, as próprias verdades reveladas por Deus, muito
maiores são o caos e a confusão que se instalam. Quem entende,
todavia, que a mudança dos acidentes não altera a substância das
coisas, procura preservar a Igreja, os seus ensinamentos e tudo o
mais que constitui a sua essência – e, quando intenta fazer alguma
reforma, não é para destruí-la, senão para preservar-lhe a vida.
É
inconcebível, portanto, que se queira reformar a Igreja quebrando a
sua continuidade substancial. No tempo dos Apóstolos, é verdade,
não havia Concílios Ecumênicos, Catecismos ou Congregação para a
Doutrina da Fé. Em essência, porém, a fé dos primeiros cristãos
deve ser a mesma que todos os católicos professam, em todos os
lugares da terra e em todos os tempos (quod
semper, quod ubique, quod ab omnibus).
No decorrer da história, a Igreja pode ir tomando maior consciência
de sua identidade e de sua doutrina, mas nada disso muda o que ela
foi, é e sempre será.
Em
sua Primeira Carta aos Coríntios, o Apóstolo dos gentios, ao
transmitir as doutrinas da Eucaristia e
daRessurreição
de Cristo,
diz duas vezes: "Eu recebi do Senhor o que também vos
transmiti" (11, 23); "De fato, eu vos transmiti, antes de
tudo, o que eu mesmo tinha recebido" (15, 3). Apenas alguns anos
após a
ascensão de Cristo,
já se dá a realidade da "tradição" (do latim tradere,
que significa "entregar"): os discípulos de Cristo
transmitem os Sacramentos e a Palavra, preocupando-se com serem fiéis
ao que eles mesmos receberam. De fato, as expressões de São Paulo
não são em vão: todos nós, como apóstolos de Cristo, devemos ser
fiéis à mensagem que recebemos de nossos pais na fé. Afinal,
sabemos – e cremos – que a palavra desses homens remonta ao
próprio Senhor e, por isso, devem ser recebidas "não como
palavra humana, mas como o que ela de fato é: palavra de Deus"
(1
Ts 2,
13).
Ao
celebrar São Pedro e São Paulo, essas duas colunas da Igreja,
exultemos de alegria por pertencermos à "Igreja una, santa,
católica e apostólica"; por pertencermos à única Igreja de
Cristo, que, assim como seu Esposo, é a mesma ontem, hoje e sempre
(cf. Hb 13,
8). Estejamos sempre dispostos a dar a nossa vida por essa mãe tão
amorosa, a qual nos alimenta com a Palavra de Deus e com o próprio
Senhor presente na Eucaristia.
Referências
-
CHESTERTON,
Gilbert K. Ortodoxia (trad.
Almiro Pisetta). São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p. 80: "A
tradição pode ser definida como uma extensão dos direitos civis.
Tradição significa dar votos à mais obscura de todas as classes,
os nossos antepassados. É a democracia dos mortos. A tradição se
recusa a submeter-se à pequena e arrogante oligarquia dos que
simplesmente por acaso estão andando por aí."
https://padrepauloricardo.org/episodios/solenidade-de-sao-pedro-e-sao-paulo-a-igreja-e-a-mesma-ontem-hoje-e-sempre