Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)
Introdução
A quaresma é o tempo de oração, para que possamos seguir os passos do Senhor Jesus passando do calvário para a ressurreição. Os primeiros escritores cristãos, os padres da Igreja, insistiam para que a oração fosse freqüente, assim como o Senhor Jesus insistiu junto aos seus discípulos e discípulas.
1. A oração impulsiona à ação
Evágrio Pôntico(Monge, século IV e início do V século, Tratado sobre a oração 14-16;37-39;59;61;98; 102-103) tem presente o valor da oração na quaresma para viver a paz e o amor no mundo de hoje. A oração é um broto de mansidão e de docilidade. Ela é fruto da alegria e da ação de graças. A oração é defesa diante da tristeza e do desânimo. A oração tem relação com os outros. O autor diz que se a pessoa deseja rezar como se deve na verdade, não aflija ninguém, porque a pessoa correria em vão. Caso a pessoa seja paciente, rezará sempre com alegria. Evágrio diz que quando a pessoa reza, é convidada a renunciar a tudo para obter tudo.
A oração visa à ação. Ela coloca a purificação das paixões, a liberdade da ignorância e do esquecimento, e a superação de toda a tentação e abandono.
2. A oração e o Reino
Evágrio relaciona a oração com a dimensão do Reino aqui, agora e no depois. A oração feita com amor busca unicamente a justiça, o Reino, isto é, a virtude, conhecimento e tudo o resto ser-lhe-á dado por acréscimo(cfr. Mt 6, 33). É claro que se a pessoa deseja rezar, há a necessidade de Deus que doa a oração como dom a quem reza(cfr. 1 Sm 2,9). Sempre o invocamos dizendo: seja santificado o teu Nome, venha o teu Reino (Mt 6, 9-10), isto é o Espírito Santo e o seu Filho Unigênito. Assim de fato ensinou o Senhor dizendo de adorar o Pai em espírito e verdade (Jo 4,24). Se és teólogo, rezarás verdadeiramente e se rezas verdadeiramente, és teólogo.
3. A oração do fariseu e do publicano
Evágrio tem presentes duas formas de oração, aquela do fariseu e do publicano. Ele diz que é preciso rezar não à forma do fariseu, que se achava justo diante de Deus, mas pela atitude do publicano, feita na humildade e no amor, no sagrado lugar da oração para ser também justificado pelo Senhor.
4. A fé, fonte da oração
Santo Agostinho(Séculos IV e V, Discursos, 115,1) fala da importância da fé na oração. Se falta a fé, não há oração. Como pode alguém rezar naquele que não crê? Por isso São Paulo exorta à oração dizendo: Quem invocará o nome do Senhor será salvo(Rm 10,13). E para mostrar que a fé é fonte da oração e que o pássaro não voa quando a fonte está seca, acrescenta: Mas como poderão invocar Aquele no qual não creram?(Rm 10,14). Assim para rezar, ocorre crer. O fato é que a fé faz brotar a oração, e a oração jorrada consegue a estabilidade da fé. O Senhor mesmo disse: Vigiai e orai para não cair em tentação(Lc 22, 46). A tentação cresce na medida na qual vem menos a fé, e a tentação vem menos na medida em que cresce a fé.
5. A vida apostólica
Santo Agostinho diz que a fé dos apóstolos possibilitou a continuidade na ação de transmitir o Reino de Deus às pessoas. Os apóstolos não teriam seguido o Senhor se não tivessem tido uma grande fé e todavia se tivesse uma fé cheia não teriam dito ao Senhor: aumenta a nossa fé(Lc 17,5).
6. A oração para os inimigos
Segundo Santo Agostinho(Discursos, 15,7-8), devemos rezar pelos nossos inimigos, segundo o preceito do Senhor Jesus (cfr. Mt 5,44). Se o teu próximo faz-lhe o mal, o Senhor bom faz-lhe rezar para o seu inimigo. O mandamento do Senhor é que se ore para o seu inimigo. Ele nos diz que nós devemos amar os nossos inimigos, fazer o bem a quem nos odeiam e rezar por aqueles que nos que perseguem, para que sejamos filhos do Pai de Jesus Cristo que está nos céus (cfr. Mt 5,44-45). Considera pois que é o Pai quem convida a rezar no Filho e torna isso como herança. Dessa forma a pessoa inicia a sua oração por aquele seu grande inimigo que está lhe fazendo muito mal, que provocou-lhe muitos sofrimentos. A sua boa vontade, os desejos, a alegria segundo o ser humano interior, a obediência ao seu Senhor, e a oração para o seu inimigo, tudo isso é ouro.
7. A oração no espírito
João de Apameia(Padre do deserto, século VI, Discursos sobre a oração, 1-3) diz que quem reza a Deus em perfeição não se requer um lugar, nem um discurso proferido pela língua. O próprio Senhor diz que chegará a hora na qual nem sobre o monte, nem em Jerusalém adorar-se-á o Pai (Jo 4,21). Paulo também afirma que rezar em espírito é rezar também na mente(cf. I Cor 14,15). Essa oração não é feita tanto com a língua, mas é uma oração espiritual, mais interna que a língua, mais profunda que os lábios e mais interior que as palavras. E quando alguém faz essa oração, faz desaparecer o mundo e está no lugar dos seres espirituais.
Assim todo aquele que reza com os salmos, quando faz em todo instante a lembrança de Deus, de Jesus Cristo, do Espírito Santo enche a sua alma, provando grande temor diante do seu Nome; quando alguém se humilha diante de todos, como fez o publicano, aproxima-se Daquele que vê afastar-se do mal de modo a fazer coisas semelhantes, alcança aquela inteligência espiritual com os quais os seres espirituais rezam e cantam a Deus para sempre. É possível sim essa caminhada espiritual. É possível sim a oração no espírito humano para se chegar ao Espírito de Deus.
Vivamos bem o espírito quaresmal em preparação à Páscoa através da oração para assim viver o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.
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