Pedro esteve em Roma?
O exercício da
preeminência após a Ascensão de Cristo
Logo
após a partida definitiva do Senhor aparece o Apóstolo Pedro na chefia do grupo
de discípulos. Foi ele, por exemplo, quem presidiu à eleição do novo Apóstolo,
São Matias (At 1,15-26); quem no dia de Pentecostes se encarregou de fazer a
primeira proclamação de Cristo (At 2,14-36); quem, na qualidade de juiz da
comunidade cristã, puniu Ananias e Safira (At 5,1-11). Foi mandado à Samaria
com João (At 8,14), porque se julgava que a sua presença de chefe das
comunidades cristãs era indispensável para corroborar os fiéis daquela região;
a autoridade de Pedro foi decisiva para se admitirem os gentios na Igreja (At
11,18).
Os testemunhos se poderiam multiplicar.
Nos limitaremos a considerar apenas o chamado "incidente de
Antioquia" (Gl 2,11-14). Paulo diz ter chamado a atenção de Pedro
justamente porque o exemplo deste Apóstolo era de tal modo persuasivo que
coagia moralmente os étnico-cristãos a o imitarem ou a observarem a Lei de
Moisés. A falha de Pedro parece ter consistido em não estar plenamente cônscio
da influência que ele exercia ou em não ter percebido que sua condescendência
para com amigos, embora fosse legítima, era mal interpretada, perturbando a
Igreja inteira. Note-se que, na sua atitude forte, Paulo não disse palavra
contra os direitos de S. Pedro a exercer tal influência sobre os fiéis.
O testemunho da
Tradição
O
primado de Pedro não podia perecer com a pessoa do Apóstolo, mas devia transmitir-se
aos sucessores deste, pois a posição de fundamento outorgada por Cristo a São
Pedro toca a estrutura da própria Igreja. Se esta deixasse de ter fundamento
visível, deixaria de ter um dos traços essenciais que Cristo expressamente lhe
quis dar. Por conseguinte, era da vontade de Jesus que a prerrogativa concedida
a Pedro se comunicasse perenemente aos sucessores deste.
Ora, Pedro morreu como bispo de
Roma. Disto se segue que os subsequentes bispos de Roma são até hoje os
detentores da jurisdição universal que o Senhor comunicou ao Apóstolo
principal. Estas proposições dogmáticas são corroboradas por um rápido percurso
da história do Cristianismo, a qual ensina que:
a) de fato, Pedro terminou sua
missão como bispo de Roma;
b) os sucessores de Pedro sempre
manifestaram a consciência de possuir jurisdição sobre a Igreja inteira.
OBS: Exporemos abaixo o testemunho
da Tradição referente ao item a. O item b será verificado na próxima
atualização com a última parte desta matéria.
A morte de S.
Pedro em Roma
Consideremos
primeiramente os testemunhos literários:
a) A estada de Pedro na Cidade
Eterna é insinuada já pela primeira carta do Apóstolo, que em 64 foi escrita de
Babilônia (1Pd 5,13), nome que, conforme o NT designa a capital pagã do Império
Romano.
b) Decênios depois, em 96/98, o
bispo de Roma São Clemente escrevia aos Coríntios:
"Lancemos os olhos sobre os
excelentes Apóstolos: Pedro, que, por efeito de inveja injusta, sofreu não um
ou dois, mas numerosos tormentos, e que, depois de ter dado testemunho, se foi
para a glória que lhe era devida. Foi por efeito da inveja e da discórdia que
Paulo mostrou o preço da paciência... Depois de ter ensinado a justiça ao mundo
inteiro e ter atingido os confins do Ocidente, ele deu testemunho diante
daqueles que governavam e assim deixou o mundo, indo-se para o lugar santo... A
esses homens... juntou-se grande multidão de eleitos que, em consequência da
inveja, padeceram muitos ultrajes e torturas, deixando entre nós magnífico
exemplo" (5,3-7; 6,1).
Conforme a evolução do idioma
grego, "dar testemunho" significava na época de Clemente
"atestar com o sangue, sofrer morte violenta". À menção do martírio
de S. Pedro e S. Paulo, Clemente acrescenta a de muitos outros mártires,
frisando que todos esses justos deixaram "entre nós" magnífico
exemplo; esse "entre nós" se refere a Roma, onde Clemente escrevia.
c) Por volta de 107, S. Inácio de
Antioquia escrevia aos Romanos:
"Não é como Pedro e Paulo que
eu vos dou ordens; eles foram Apóstolos; eu não sou senão um condenado"
(Rm 4,3).
d) Entre 165 e 170, o bispo
Dionísio de Corinto atestava aos Romanos:
"Tendo vindo ambos a Corinto,
os dois Apóstolos Pedro e Paulo nos formaram na doutrina evangélica; a seguir,
indo-se para a Itália, eles vos transmitiram os mesmos ensinamentos e por fim
sofreram o martírio simultaneamente" (em Eusébio, Hist. ecl. II 25,8).
e) No início do séc. III era
Orígenes quem escrevia: "Pedro, finalmente tendo ido para Roma, lá foi
crucificado com a cabeça para baixo' (em Eusébio, Hist. ecl. III 1).
Deixando os testemunhos literários,
que se poderiam prolongar, passemos agora as da Arqueologia.
Por volta de 200, um presbítero
romano chamado Gaio dirigia-se nos seguintes termos a um grupo de hereges:
"Posso mostrar-vos os troféus
(túmulos) dos Apóstolos. Caso queirais ir ao Vaticano ou à via Ostiense, lá
encontrareis os troféus daqueles que fundaram esta Igreja" (em Eusébio,
Hist. ecl. II 25,7).
Tais dizeres foram ilustrados pelas
recentes escavações feitas em Roma durante dez anos no subsolo da basílica de
S. Pedro: encontraram-se vestígios de um mausoléu cristão posto em meio a
túmulos pagãos ao qual dá acesso uma via que parece ter sido muito frequentada.
Junto a esse túmulo numerosas inscrições (graffiti) de visitantes fazem menção
do Apóstolo Pedro. No sepulcrozinho de 80 x 80 cm, que os arqueólogos cavaram
até tocarem o solo virgem, encontraram ossos humanos dispersos e misturados com
terra, que foram cuidadosamente recolhidos. Além disto, deram com os destroços
de uma urna de mármore fino de 77 x 30 cm... Sem descer ao plano das hipóteses
minuciosas, meramente conjeturais, julgam os historiadores que o lugar assim
descoberto representa o primeiro local onde foram depositados os despojos
mortais de S. Pedro.
E com razão assim pensam: no ano de
67, quando morreu este Apóstolo, os cristãos ainda não possuíam seus cemitérios
próprios, devendo por isto forçosamente usar cemitérios pagãos. Se, pois, no
Vaticano S. Pedro foi enterrado em uma necrópole pagã, esta deve ter sido
realmente a primeira mansão póstuma do Apóstolo, indicada, aliás,
explicitamente pelos testemunhos de Gaio e dos graffiti.
Pode-se também observar o seguinte:
no início do séc. IV o Imperador Constantino construiu a basílica de S. Pedro
em Roma. Podia ter escolhido para isto, ao lado do lugar que ele tomou um
terreno livre, plano, apto para uma ampla construção (no chamado "Circo de
Nero"). Não o fez, porém. Mandou construir a basílica no lugar mais
incômodo e contraindicado, tomando um terreno de forte declive, terreno com uma
diferença de nível de 13m na direção NE-SO, e já ocupado por uma necrópole
(coisa que os romanos costumavam respeitar religiosamente)! Se Constantino
assim violou todas as leis de construção e de deferência aos mortos, ele deve
ter tido motivo muito sério para tanto, motivo que não pode ser senão a
presença, em uma parte desse cemitério pagão, de um túmulo caro a todos os
cristãos de Roma: o túmulo de Pedro!
Dada a clareza dos testemunhos da
história, os autores, mesmo neocatólicos, não costumam em nossos dias contestar
a morte do Apóstolo São Pedro em Roma (ninguém, porém, saberia dizer quando
chegou Pedro pela primeira vez à Cidade Eterna. Nem se insiste na tese de S.
Jerônimo, segundo a qual o Apóstolo pregou 25 anos em Roma).