As Origens do Texto Atribuído a São Francisco de Assis
É excepcional a difusão da oração simples
atribuída a São Francisco de Assis, conhecida em todo o mundo, graças,
sobretudo, à sua espontaneidade e à sua referência às expectativas mais
humanas. Traduzida em todas as línguas, foi e é recitada no âmbito de
numerosíssimos encontros e por eminentes personalidades do mundo eclesiástico,
literário e político.
Tendo
que fazer uma escolha, basta recordar que em 1975 ela foi recitada em Nairobi
durante uma reunião do Conselho ecumênico das Igrejas; que em 1986 esteve no
centro das orações dos participantes do encontro dos representantes de todas as
religiões, organizado por João Paulo II em Assis; que em 1989 em Basileia abriu
o Congresso ecumênico europeu.
A oração não
deixara de espantar Madre Teresa de Calcutá, que brevemente explicou sua
importância, e convidou a recitá-la no dia em que, em Oslo, recebeu o prêmio
Nobel da paz (1979), revelando que, em seu instituto, ela era rezada todos os
dias, depois da comunhão; Helder Pessoa Câmara, o então Arcebispo de Olinda e
Recife (Brasil), a incluiu nas "Páginas do Caminho para as comunidades
abramíticas"; Margaret Thatcher recitou uma parte dela em 4 de Maio de
1979, dia da sua nomeação como primeiro ministro; o Bispo anglicano Desmond
Tutu (Nobel pela paz em 1984), confessou que "ela fazia parte
integrante" de sua devoção; Bill Clinton a inseriu no discurso de saudação
a João Paulo II ano aeroporto de Nova York em 1995, acrescentando com mal
disfarçada altivez que "muitos americanos, católicos ou não, a tem em seu
bolso, na bolsa ou em suas agendas".
O elenco poderia continuar e longamente, mas a nós interessa fazer
conhecer somente um aspeto da longa história que circunda a oração, e isto é o
papel que teve o “Osservatore Romano" ao fazê-la conhecer do grande
público.
Em 1915, no dia seguinte da declaração da primeira guerra mundial, Bento XVcompôs
uma oração pela paz, traduzida em francês, inglês, alemão, espanhol, português,
russo e polaco, convidando todos os católicos da Europa a recitá-la no domingo,
7 de Janeiro, no mesmo momento em que ele mesmo a teria rezado diante do altar
de São Pedro, junto com os Cardeais e com a Cúria pontifícia.
"Na França - afirma Christian Renoux, docente de história na
universidade de Orleans - o Governo se opôs a tal recitação, temendo que o Papa
convidasse a rezar pela vitória do catolicíssimo império austro-húngaro.
Confiscou, pois, todos os folhetos em que a oração fora impressa e censurou os
boletins paroquiais que a reproduziam".
Algum tempo antes, o Marquês Stanislas de A Rochethulon,
presidente da associação anglo-francesa Souvenir Normand - que
se qualificava como "obra de paz e de justiça ideal, inspirada no
testamento de Guilherme, o Conquistador, considerado antepassado de todas as
famílias reais da Europa, para fazer ressaltar o papel que tiveram a lei e o
direito estabelecidos pelos conquistadores normandos" – tinha feito chegar
ao Papa duas orações pela paz e um cântico dedicado a Nossa Senhora das
Normandias. A primeira oração era uma invocação "à Nossa Senhora dos
Normandos e aos seus santos e santas padroeiros”; a segunda, uma "bela
oração a recitar durante a Missa", publicada por um certo abbé Bouquerel,
redator do semanário católico "A Croix de Orne", retomada no
número de Dezembro de 1912 do periódico "La Clochette", um
revistinha católica de caráter devocional fundada em Outubro de 1901, e que se
qualificava como "boletim da Liga da Santa Missa".
Era a atual Oração Simples – assim a chamou Giuseppe João Lanza
del Vasto, e assim é conhecida na Itália - apareceu anônima pela primeira vez
na "La Clochette" ("A campainha"), termo claramente
designativo da pequena campainha que se toca durante a celebração eucarística.
A oração agradou seja ao Papa como ao Cardeal Pietro Gasparri, Secretário de
Estado, mesmo porque o Marquês a tinha feito apresentar como "oração ao
Sagrado Coração", devoção cara ao Papa, o qual, na oração pela paz de
1915, tinha feito várias vezes referência ao Sagrado Coração.
"A pedido do Papa (e do Cardeal Gasparri) - acrescenta
Christian Renoux - a Secretaria de Estado enviou o texto ao "Osservatore
Romano" que a publicou na primeira página no dia 20 de Janeiro de
1916, traduzida em italiano, junto com uma breve informação explicativa,
intitulada “As orações do Souvenir Normand pela paz"
O redator, que fez algumas correções secundárias, não obstante tivesse
escrito que a apresentava "textualmente na sua tocante simplicidade",
explicava: "O Souvenir Normand" fez chegar ao Santo Padre o
texto de algumas orações pela paz. Entre elas nos agrada reportar
particularmente aquela dirigida ao Sagrado Coração, inspirada no testamento de
Guilherme, o Conquistador"
Foi o lançamento
mundial da Oração Simples. No dia 28 de Janeiro sucessivo "La Croix"
reportou o artigo do quotidiano da Santa Sé, deixando inalterado seja o título
seja as informações incompletas sobre a exata origem do texto. Por escrúpulo o
Marquês escreveu ao jornal para completar as informações, mas calando
volutamente "La Clochette", a primeira publicação que a tinha
reportado: ele queria apenas esclarecer que não tinha sido composta pelo "Souvenir
Normand". Passando por cima sobre as vicissitudes ligadas à famosa
Oração (traduções, adaptações, títulos); sobre as intermináveis pesquisas de
autor (até agora desconhecido); sobre o por que da atribuição a São Francisco,
queremos sublinhar que a oração teve aquele sucesso mundial que desejava o
Cardeal Gasparri em uma carta de 24 de Janeiro de 1916 ao Marquês Stanislas de
A Rochethulon, e desejado pelo Papa, conforme quanto se lê naquele número do
jornal do Papa: "O Santo Padre agradou-se sumamente com esta comovente
oração que seria de se desejar achasse um eco em todos os corações e fosse a
expressão do sentimento universal".