CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Comissão Episcopal
Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética
3ª Semana Brasileira
de Catequese
Itaici-SP, 6 a 11 de
outubro de 2009
1
A INICIAÇÃO CRISTÃ ONTEM E HOJE
História e documentação atual sobre a Iniciação Cristã
(extrato do texto maior)
Luiz Alves de Lima
Introdução
Nesta
exposição pretendo apresentar alguns dados históricos sobre o processo da Iniciação
Cristã na vida da Igreja, sobretudo na forma do catecumenato. Tomando
depois como referência o Concílio Vaticano II, apresentarei os pronunciamentos
do magistério eclesial que urgem a Iniciação Cristã hoje através da
restauração do catecumenato e da inspiração catecumenal de toda e qualquer
catequese; são analisados documentos do magistério pontifício e episcopal
(cerca de 25); faço ainda um aceno à formação iniciática do catequista e
enumero algumas experiências de Iniciação Cristã no Brasil em curso atualmente.
Parte
substancial dessa palestra já está publicada na Revista de Catequese 1: é
o que foi apresentado e estudado na primeira reunião da Comissão que preparou o
tema prioritário da 47a. AG da CNBB, justamente sobre a Iniciação à Vida Cristã.
Irei apenas indicar algumas partes desse estudo e a ele remeter, ocupando o
tempo dessa palestra para algumas reflexões além daquele texto.
É
necessário esclarecer, em primeiro lugar, que por Iniciação Cristã se
entende todo o processo pelo qual alguém é incorporado ao mistério de Cristo
Jesus. Teologicamente falando a verdadeira iniciação se dá na celebração dos
sacramentos do Batismo, Eucaristia e Crisma, chamados justamente, a partir do
século XIX, de Sacramentos da Iniciação.
Pela
doutrina do “ex opere operato” (uma vez realizado o sacramento com fé e com
todos os requisitos canônico-litúrgicos, realiza-se o efeito salvífico significado
pelo rito sacramental), a Igreja professa que todo batizado é verdadeiramente
incorporado em Cristo Jesus e começa a fazer parte deu Corpo Místico, do Povo
de Deus, da Igreja. No entanto, a expressão iniciação cristã passou a
significar todo o processo pós-batismal percorrido para se chegar a esta
profunda realidade da fé do ponto de vista experiencial e existencial.
A
iniciação cristã para os já batizados consiste em desenvolver os germens da fé
já infundidos no sacramento do Batismo. Para os não batizados é o processo que
conduz ao mergulho total (batismo) no mistério de Cristo Jesus. Nesse processo
iniciático estão incluídos, quer as ações litúrgico-rituais (celebrações,
ritos, entregas, escrutínios...) como o processo catequético no sentido
estrito de ensinamento e reflexão sobre a sabedoria evangélica, a doutrina de
Jesus Cristo e os exercícios de vida cristã em vista da assimilação completa do
mistério cristão.
1 ALVES
DE LIMA Luiz, A iniciação cristã ontem e hoje in Revista de
Catequese 32 (2009) nº 126, abril-junho, pp. 06 – 22. Parte
desse
material já foi apresentado por esse mesmo autor na II Semana Brasileira de
Catequese (8-12 de Outubro de 2001) e
publicado
como Memória do catecumenato na História in
CNBB, Segunda Semana Brasileira de Catequese. São Paulo:
Paulus
2002,
pp. 229-244 (com bibliografia). Estudos da CNBB 84.
2
O
complexo processo que, desde o século II, prevaleceu na Igreja para iniciar os
novos membros nos mistérios da fé, recebeu o nome de Catecumenato. Para
alguns autores esse nome deveria significar apenas o “segundo tempo” da
iniciação cristã, o mais longo e mais propriamente catequético. Entretanto, a
maioria usa o termo “catecumenato” para significar todo o processo da iniciação
cristã. É desnecessário dizer também que o tão conhecido e espalhado “neo-catecumenato”
é apenas uma expressão daquilo que a Igreja chama de Catecumenato. É um movimento,
com todos seus valores e limitações, com estatuto próprio, plenamente aprovado pela
Igreja, bastante estruturado e que procura resgatar quase que mimeticamente o
antigo catecumenato, e, às vezes vai muito mais além, no sentido de
radicalidade evangélica. Não se deve, pois, confundir catecumenato como
o movimento ou caminho neo-catecumenal.
O
atual interesse pela Iniciação Cristã
A
publicação do RICA em sua primeira edição em 1973 e sobretudo em sua segunda edição
no ano 2001, com nova diagramação, veio enriquecer o vocabulário eclesial com
uma expressão quase que esquecida, mas tão antiga quanto a Igreja: a Iniciação
Cristã.
Durante
muito tempo, e mesmo recentemente, usou-se a expressão iniciação cristã em
livros de história da Igreja ou da Liturgia. A partir do final do séc. XIX essa
expressão passou a designar os sacramentos do batismo, confirmação e
eucaristia, o que foi incorporado pelo Vaticano II 2.
Ela está no título do ritual do batismo de adultos, denominado RICA, e
foi adotada também pelo Catecismo da Igreja Católica (nºs 1211-1212).
A
prática pastoral comum, até então, não tinha nenhuma necessidade de recorrer à expressão
“iniciação cristã”: simplesmente administrava-se o batismo a crianças em seus primeiros
dias ou meses de existência; eucaristia e crisma eram conferidos às meninas e meninos/adolescentes
que frequentavam a catequese preparatória, em geral infantil, como, aliás, continuamos
a fazer hoje, em quase todos os lugares.
Ao
longo de sua história, a Igreja sempre realizou, de uma maneira ou de outra, a iniciação
cristã, se com essa expressão entendemos o modo de formar os fiéis: essa era a catequese
tal como a recebemos da longa tradição da cristandade. Para adultos que se apresentavam
ao Batismo adaptava-se o rito de batismo de crianças, sem outras práticas ou exigências.
Estritamente falando, o catecumenato com seu caráter litúrgico,
catequético e moral, era, na antiguidade, o processo de iniciação destinado a
adultos que optavam pelo seguimento de Jesus. Nesse sentido, a partir do séc.
VI não houve, em geral, catecumenato nos países cristãos, mergulhados na
cristandade, já que os recém nascidos eram (são) integrados na Igreja através
do Batismo de crianças.
Muitas
vezes “iniciação cristã” e “catecumenato” são tomados hoje como sinônimos 3; entretanto,
faz-se necessário “uma distinção, uma vez que a iniciação põe o acento
no sacramental e o catecumenato está relacionado com a catequese” 4.
2 Cf Ad
Gentes 14; Presbiterorum Ordinis 2; Sacrosanctum Concilium 71.
3 “Na
Igreja primitiva catecumenato e iniciação aos sacramentos do batismo e da
eucaristia se identificavam” (CT 23).
3
O
catecumenato se define como “processo educativo-cristão, demarcado por tempos e
etapas, dirigido a convertidos, no seio de uma comunidade eclesial, por meio de
uma regeneração sacramental”.
Hoje
um dos desafios de nossa pastoral é a transmissão da fé às novas gerações
(suscitar a fé), incorporar as pessoas na comunidade cristã, celebrar
consciente e profundamente os sacramentos e manter e alimentar a fé recebida e
professada. Para os batizados mas não evangelizados, apresenta-se o desafio de
uma re-iniciação na comunidade e na vida cristã, já que o batismo os iniciou
“sacramentalmente” na fé. Paralelamente, o desafio também é a luta contra o
fenômeno da descristianização de grande parte da população, fomentada pelo
secularismo, consumismo materialista e ideologias anticristãs.
Diante
disso, e impulsionado pelo zelo missionário suscitado na Igreja nesses últimos anos,
o episcopado brasileiro há tempo vem realizando esforços de renovação da
catequese; entre outras coisas, procura retornar à prática de uma iniciação
cristã mais eficaz. Em outras partes da Igreja há também esta preocupação.
Por
outro lado, é necessário afirmar que, quando se fala de catecumenato ou
de uma catequese de inspiração ou dimensão catecumenal, estamos
falando de práticas catequéticas presentes na nossa realidade pastoral; não se
trata apenas de uma “teoria”, mas de algo que já está acontecendo. Em toda a
Igreja, também no Brasil, são feitas experiências, procurando retornar ao
modelo de uma catequese catecumenal. Podemos elencar, por exemplo, as
seguintes, entre tantas experiências: 1. Os processos do Caminho
Neo-catecumenal, de caráter bastante radical, seja pelo modelo seguido
(catecumenato da Igreja Primitiva), quer pelo tempo que empregam (Kiko de
Argüellos 5); 2. Processos ligados à Renovação Carismática Católica
6; 3. Experiências da Baixada Fluminense: Pe. Domingos
Ormonde em Duque de Caxias e S. João de Meriti (RJ) e Pe. Lúcio Zorzi 7, em
Campo Grande, Rio de Janeiro (RJ); 4. Experiências de Volta Redonda –
Barra do Piraí, RJ (Pe. Giuliano A. Fantini = Nani) 8; 5.
Experiências de Belém (PA); 6. Experiências de Porto Alegre, RS (Pe.
Lívio Masuero 9); 7. Experiências de Rio Grande, RS (Pe. John Cleber Hood Moreira 10); 8. Experiências de Santo Amaro,
SP (Pe. Guillermo Daniel Micheletti 11); 9.
Experiência de Pirapora do Bom Jesus, SP (Pe. Paulo Haenraets, premonstr. 12);
4 FLORESTÁN
Cassiano, Catecumenato: história e pastoral da iniciação.
Petrópolis: Vozes 1995, pg. 30.
5 Cf
apresentação e críticas em FLORISTÁN C., Catecumenato:
história e pastoral da iniciação, pp. 137-140; ALBERICH
E., Formas e modelos de Catequese de Adultos. São Paulo:
Editora Salesiana 2000, pp. 59-60.
6 Cf
apresentação e críticas em FLORISTÁN C., Catecumenato:
história e pastoral da iniciação, pp 140-143.
7 ZORZI Lúcio,
Catecumenato Crismal: gente em busca de algo mais. 15a. ed.
São Paulo: Paulinas 2008, 224 pp.; ID., Uma
proposta para o Rica simplificado. São Paulo: Paulinas 2009, 88 pp.
8 Cf FANTINI
Giuliano – Marilene Sabarense, Uma experiência Catecumenal com
Adultos em Volta Redonda in Revista de Catequese 32 (2009) nº 127,
julho – setembro, pp.
9 Cf
apresentação em MASUERO Lívio, Discipulado Católico adulto in Revista de
Catequese 29 (2006) nº 116, outubrodezembro, pp. 44-60.
10 Cf
apresentação em MOREIRA John Cléber Hood, Uma experiência catequética com o RICA in
Revista de Catequese 29 (2006) nº 116, outubro-dezembro, pp. 61-64.
11 Cf
apresentação em MICHELETTI Guillermo Daniel, A paróquia hoje e o desafio da evangelização
e da catequese in Revista de Catequese 30 (2007) nº 117,
janeiro-março, pp. 35-42; ID., Itinerário catequético
paroquial de inspiração catecumenal in Ibid. 32 (2009) nº 127, julho
– setembro, pp.
12 Apresentação
em HAENRAETS Paulo, Iniciação na fé e catequese familiar in Revista
de Catequese 31 (2008) nº 123, julhosetembro, pp. 44-52.
4
10. Experiência
de Campinas, SP (Pe. Antonio A. M. Busch 13); 11.
Catecumenato Crismal: Chapecó, SC (D. Manoel João Francisco 14). Com
relação a diretrizes diocesanas concretas nessa linha catecumenal, podemos
citar: 1. Experiência do Regional Leste I (RJ) com suas Diretrizes
para Iniciação Cristã da Arquidiocese 15; 2.
Diretório Diocesano de Catequese de Umuarama (PR) 16; 3.
Orientações para a iniciação cristã de adultos: ad experimentum da
Arquidiocese de Curitiba 17; 4. Por uma mobilização bíblica Nacional (Dom
Orlando Brandes 18) A CNBB, repercutindo o Diretório Nacional de Catequese e,
sobretudo, Aparecida, tomou como tema prioritário da Assembléia de 2009
esse tema, que está se tornando central em sua vida hoje 19;
retornará possivelmente em Assembléias futuras. E é esse também o tema de nossa
III SBC.
Aqui,
faremos primeiro uma abordagem histórica da Iniciação Cristã e em
segundo lugar, uma apresentação dos Documentos Eclesiais que
urgem hoje a retomada do catecumenato em suas várias formas. (a partir desse momento pode-se seguir a palestra pela Revista
de Catequese 32 [2009] nº 126, julho-set., pp. 9 – 21, com os acréscimos
que se seguem)
CEBs:
um processo de iniciação cristã e de catequese catecumenal?
Aqui
seria o caso de perguntar-nos se realmente a caminhada de nossas pequenas comunidades,
em sua forma de CEBs, círculos bíblicos ou as diversas formas urbanas de vivência
comunitária da fé, não funcionam verdadeiramente como processos iniciáticos,
uma vez que seus elementos principais aí estão presentes? A grande diferença é
que as dimensões comunitária e diaconal (serviço, caridade) estão muito
mais presentes do que em outros itinerários de iniciação, onde as coisas são
vividas mais no âmbito pessoal, ou quando muito num tipo de comunidade muitas
vezes voltadas quase que exclusivamente para si mesmas (ad intra e não ad
extra).
Podemos
também refletir que, logo após o Concílio, a Igreja de um modo geral, e, sobretudo,
no Brasil, foi guiada e impulsionada por todos os documentos conciliares,
sobretudo, pela grande Gaudium et Spes: diálogo com o mundo, vivência do
Evangelho a serviço da transformação da humanidade, de um modo especial em
favor dos pobres, com suas conseqüências sociopolíticas... daí nasceu a
Teologia da Libertação, as práticas de uma pastoral transformadora e voltada
diretamente para a situação concreta sofrida e desumana da maioria de nossos
fiéis, para o engajamento sócio-político em nome do Evangelho...
13 BUSH José
Antonio Moraes, Iniciação cristã de adultos hoje: uma experiência in Revista
de Catequese 23 (2000) nº 91,
agosto-setembro,
pg 61-66.
14 DIOCESE
DE CHAPECÓ, Catecumenato Crismal. 2a.
Reimpressão. Chapecó: Livraria Diocesana Paz e Cultura 2007. Três
volumes:
Tempo de Pré-catecumenato (divulgação: formação da família, catequistas
e outros agentes; Evangelização); Tempo
de
Aprofundamento (catecumenato – 3o. tempo); Tempo de
Iluminação e da Mistagogia (participação na comunidade,
celebração
dos sacramentos, compromisso de caridade).
15 ARQUIDIOCESE
DO RIO DE JANEIRO, Diretório Arquidiocesano da Iniciação Cristã. Rio de
Janeiro: Nossa Senhora da Paz
Livraria
e Editora, 2008, 80 pp.
16 DIOCESE
DO DIVINO ESPÍRITO SANTO – UMUARAMA, Diretório Diocesano de Catequese. Umuarama: edição
própria, 2009, 124
pp.
17 COMISSÃO
DA ANIMAÇÃO BÍBLICO-CATEQUÉTICA, Orientações para a iniciação cristã de adultos: ad
experimentum. Curitiba:
Editora
Arquidiocesana 2009, 56 pp.
18 BRANDES
Orlando, Por uma mobilização bíblica Nacional. Londrina:
edição própria, 2009, 25 pp. Publicou também uma
Cartilha
sobre a Iniciação Cristã in Revista de Catequese 32 (2009)
julho-set., nº 126, pp. 74-80.
19 Nessa
III Semana está sendo lançado, na coleção verde da CNBB, o documento
resultante da 47a. Assembléia Geral de 2009.
5
A
CNBB ficou beneficamente marcada por essas grandes intuições do Concílio, sem
deixar, naturalmente, tantas outras reformas conciliares!
No
contexto do Concílio o documento Ad Gentes, como o próprio nome indica
([Igreja enviada] aos povos [pagãos]), era pensado para as “missões”,
para povos não cristãos que não conheciam a luz do Evangelho... Sem perder essa
característica de anúncio do Evangelho para povos com nenhuma tradição
cristã (missão nas fronteiras), a Igreja hoje percebe que precisa anunciar o
Evangelho de um modo explícito e renovador, para povos de antiga
cristandade...
Aqui
no Brasil, embora não sejamos de tão antiga cristandade, tomamos consciência
também de que precisamos nos transformar em “terra de missão”, numa Igreja
missionária, no sentido mais próprio e exato da palavra. Aí estão o nosso Diretório
Nacional de Catequese, (cap. II: “A catequese na missão evangelizadora da
Igreja”) o projeto Brasil na Missão Continental e todo o Documento de
Aparecida que nos impulsiona para isso...
Nesse
contexto, sem deixar de lado as conquistas que fizemos à luz da Gaudium et
Spes, precisamos retornar ao documento que ficou um pouco esquecido no
pós-concílio, o Ad Gentes, pois, pensávamos, eram orientações mais para
“países de missão”... Missão é aqui nos grandes e pequenos centros urbanos, missão
é para grande maioria de nossa população que cada vez mais se afasta do
Evangelho, deixando-se influenciar por uma sociedade longe de Deus, consumista,
materialista... Ora, dentre os documentos conciliares, Ad Gentes, juntamente
com outros, é que pediu a restauração do Catecumenato como metodologia
própria para conduzir, aqueles que optam pelo Evangelho, a uma verdadeira iniciação
à vida cristã. Portanto, missão, primeiro anúncio, catecumenato,
iniciação à vida cristã, são conceitos e práticas que começam a fazer parte
de nosso dia a dia...
(retornar à Revista de Catequese à pg 16, primeira coluna,
em cima)
A
formação iniciática de catequistas - SCALA – 2007
É
preciso ter presente também esse documento da Sociedade de Catequetas Latino-americanos
(SCALA) sobre a necessidade de formar as/os catequistas a partir da
dimensão iniciática, catecumenal. Se eles não passam pela experiência
catecumenal – mistagógica, dificilmente irão depois trabalhar com esta
perspectiva 20.
Após
analisar a situação do catequista no mundo e na Igreja, apresenta as
características do processo iniciático, entre elas: a experiência de Emaús como
modelo iniciático, a importância do encontro pessoal com Jesus Cristo,
elementos do itinerário (etapas, ritos, símbolos, escrutínios), a exigência do
acompanhamento pessoal, a formação do discípulo missionário. Na terceira parte desenvolve
o “novo caminho de formação iniciática de catequistas”, retomando, nessas
perspectivas as conhecidas categorias do ser, saber conviver, saber e saber fazer
do catequista;
insiste
na vida interior, comunitária, de oração, litúrgica e mariana.
20 Este
documento está publicado em SCALA, A formação iniciática
de catequistas in Revista de Catequese 31 (2008) nº 123,
julho-setembro,
pp. 53 ss.
6
III
– INICIAÇÃO À VIDA CRISTÃ – CNBB 2009
1. Introdução
O
tema da iniciação cristã é conseqüência da caminhada da Igreja nesses
últimos anos e é tão urgente que foi escolhido como tema prioritário da 47a.
Assembléia Geral da CNBB de 2009.
Logo
ficou claro que não se trata só de iniciação cristã, como
tradicionalmente se diz, mas sim de “iniciação à vida cristã”. Essa expressão
procura traduzir a comunicação de uma fé que não se reduz à intimidade com
Jesus Cristo, mas que tenha reflexos e influências vitais na própria existência,
levando à participação da comunidade, que no seu conjunto, deve dar Testemunho
do Evangelho 21.
Para
elaborar o esquema fundamental do texto, a comissão para isso nomeada 22,
entre tantas possibilidades, tomou como ponto de partida o insistente pedido de
Aparecida: “Impõe-se a tarefa irrenunciável de oferecer uma modalidade
[operativa!] de iniciação cristã, que além de marcar o que,
dê também elementos para o quem, o como e o onde
se realizam. Dessa forma, assumiremos o desafio de uma nova
evangelização, à qual temos sido reiteradamente convocados” (nº 287). Acrescentando-se
mais dois elementos (por quê? e para quem?), nosso texto
ficou estruturado com esses 5 capítulos:
I –
Iniciação à vida cristã: por quê? - Motivações
II –
Iniciação à vida cristã: o que é? – Natureza
III
– Iniciação à vida cristã: como? - Metodologia
IV –
Iniciação à vida cristã: para quem? – Destinatários - Interlocutores
V –
Iniciação à vida cristã: com quem? onde? – Agentes e Lugares.
Embora
sejam categorias marcadamente distintas, entretanto elas se completam e estão intimamente
relacionadas. Assim sendo, por vezes, ao tratar de uma delas, já se começa a
falar da outra e vice-versa, como fica evidente no I capítulo. Pode parecer
repetitivo, mas são realidades que não podem ser tratadas sempre independentes
entre si.
Após
reflexões e decisões da comissão encarregada de elaborá-lo, o texto foi
redigido por cinco pessoas diferentes 23. A
seguir tentou-se unificar a redação num único estilo e assim, retornou à
comissão que o reviu, corrigiu, complementou e documentou.
21 Esse
tema está aprofundado por LELO, Antonio Francisco, A
Iniciação Cristã: catecumenato, dinâmica sacramental e
testemunho.
São Paulo: Paulinas 2005 (tese de doutoramento).
22 Foram
esses os membros nomeados: Bispos: Dom Eugène Lambert Adrian Rixen
(Presidente), Dom Manuel João Francisco,
Dom
Tarcísio Scaramussa, sdb, Dom Carlos Verzelleti. Assessores: Pe.
Videlson Telles de Meneses (posteriormente
substituído
pela Profª. Maria Cecília Rover), Ir. Zélia Maria Batista, cf, Pe. Luiz Alves
de Lima, sdb, Pe. Domingos Ormonde
(posteriormente
substituído pelo Ir. Israel José Nery, fsc), Profª. Therezinha Motta Lima Cruz,
Ir. Marlene dos Santos, cf, e
Sra.
Maria Ângela Zoldán Guenka. Cf. CNBB - PRESIDÊNCIA, Carta
de 30 de Setembro de 2008. SG - C - no. 0865/08, assinada
pelo
Secretário Geral, Dom Dimas Lara Barbosa. Dois outros membros nomeados não
participaram.
7
O
texto, discutido e emendado durante a Assembléia, passou por diversas outras correções
posteriores e está sendo publicado na coleção Estudos da CNBB e lançado
nessa III Semana Brasileira de Catequese. Não dando tempo de, nesta palestra,
apresentar todo o documento, me restrinjo aos capítulos II e III.
2. CAPÍTULO
II - O QUE É MESMO INICIAÇÃO?
Nesse
capítulo se mostra que o processo de iniciação, mesmo no nível humano,
se faz sempre com relação ao mistério. Iniciação é sempre iniciação ao mistério,
é mergulho pessoal no mistério; ele está presente também no centro da fé.
Jesus
fala do Reino usando a categoria de mistério: “A vós é confiado o
mistério do Reino de Deus” (Mc 4,11; cf. Mt 13,11; cf. Lc 8,10).
O conceito de mistério aparece pouco no Antigo Testamento, mas é muito
usado por Paulo, tornando-se uma categoria fundamental para a fé. Foi usado
para manifestar o desígnio divino de salvação, que para Paulo se
concentra na pessoa de Jesus, sua vida, morte e ressurreição. Paulo contrapõe a
“sabedoria humana” à “sabedoria misteriosa” de Deus (1Cor 2,7) e diz que
sua missão é fazer conhecer a gloriosa riqueza deste mistério em meio
aos gentios.
A
mensagem cristã apresentada como mistério leva naturalmente à realidade
da iniciação. No nosso imaginário o mistério carrega em si algo
de fascinante, sublime, surpreendente. O mistério é um segredo que
se manifesta somente aos iniciados. Diferentemente de outros conhecimentos ou
práticas, não se tem acesso ao mistério através de um ensino teórico, ou
com a aquisição de certas habilidades. Para ter acesso aos divinos mistérios
a pessoa precisa, de uma maneira ou de outra, ser iniciada a essas
realidades maravilhosas através de experiências que a marcam profundamente. São
os ritos iniciáticos tão desenvolvidos na antiguidade e em sociedades
modernas secretas ou esotéricas, em geral ministrados a um círculo restrito e
fechado de pessoas.
Os
cristãos lançaram mão dessa realidade tão humana e arraigada nas culturas, de
tal modo que o cristianismo foi até confundido com uma das tantas religiões
iniciáticas que pululavam o Oriente Médio. Entretanto, era algo muito mais
profundo: para participar do mistério de Cristo Jesus era preciso passar
por uma experiência impactante de transformação pessoal e deixar-se envolver pela
ação do Espírito. O processo de transmissão da fé tornou-se, sim, iniciático
em sua metodologia. Descobrir o mistério da pessoa de Jesus e os mistérios
do Reino, assumir os compromissos de seu caminho, viver a ascese requerida
pela moral cristã... são realidades muito exigentes; sem um verdadeiro processo
de iniciação não se alcança seu verdadeiro sentido.
O
catecumenato foi um caminho antigo e eficiente, desenvolvido pelas comunidades
cristãs, aprofundado pelos Santos Padres, acolhido e institucionalizado pela
autoridade eclesiástica, núcleo do próprio desenvolvimento do ano litúrgico,
gerado nesse processo.
23 Para
a primeira redação, o cap. I foi elaborado por Therezinha Lima Motta Cruz; o II
pelo Pe. Luiz Alves de Lima, sdb; o III
pelo
Pe. Domingos Ormonde, com complementação de Dom Manuel João Francisco e Maria
Ângela Zoldán Guenka; o IV por
Ir.
Marlene Santos, cf; e o V pelo Ir. Israel José Nery.
8
O
valor do mistério de Cristo e da Igreja era experimentado e depois
explicado numa vivência marcada
pelo
rito através de uma catequese chamada “mistagógica” (que inicia ao mistério). O
rito, ao envolver a pessoa por inteiro, marca-a mais profundamente do que a
simples instrução e interioriza o que foi aprendido e proclamado, realçando a
dimensão de compromisso.
Iniciação
não é invenção cristã; está na raiz de muitas religiões na antiguidade e, mais ainda,
na raiz de quase todas as culturas: antes de ser uma realidade religiosa, é uma
realidade antropológica, que as sociedades modernas quase que perderam por
completo. Aí, talvez, esteja a nossa grande dificuldade de trabalhar com a iniciação
ao mistério: não é uma experiência do nosso dia-a-dia; falta-nos substrato
antropológico!
O
texto apresenta a descrição de alguns elementos da iniciação do ponto de
vista antropológico e o valor dos ritos. Os processos iniciáticos, profundamente
vividos, possuem a capacidade de fazer assimilar vitalmente as grandes
experiências cristãs. Mostra também a necessidade de revalorizar hoje esse
itinerário iniciático-catecumenal. De fato: numa cultura moderna e quase que
pós-cristã (cf CT 57; DGC 110d) a Igreja se vê diante da
necessidade de uma real iniciação, para formar cristãos que assumam de fato o
projeto do Reino. O Estudo da CNBB Com Adultos Catequese Adulta (2001)
afirma: “Aquilo que os ritos de iniciação representam para a vida sociocultural
de um grupo, a catequese deveria representar para a vida cristã” 24: é
um processo profundo que integra a pessoa num estilo evangélico de vida.
Daí
a necessidade de formas de catequese que estejam verdadeiramente a serviço
da iniciação cristã, na complexidade de suas exigências, como bem afirmam o
DGC (nos 63-68) e o DNC (no 35 e
todo o subtítulo 4.1). Mas a iniciação não é missão só da catequese (aqui está,
às vezes, nosso engano!): é trabalho de toda a comunidade, principalmente da
dimensão litúrgica e dos ministros ordenados! Sente-se hoje uma necessidade
urgente de revisão profunda da nossa prática eclesial, para restabelecer, na
sua função primordial, a iniciação cristã.
O Documento
de Aparecida é enfático ao falar da necessidade urgente de assumir o processo
iniciático na evangelização: “Ou educamos na fé, colocando as pessoas
realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu seguimento, ou
não cumpriremos nossa missão evangelizadora” (nº 287; cf. 286-294).
A
restauração do catecumenato, solicitada pela Igreja (cf. CD 14, SC
64-68 e AG 14), com a devida inculturação, quer retomar a dimensão
mística, celebrativa, da catequese, considerando que um dos aspectos essenciais
da educação da fé é levar as pessoas a uma autêntica experiência cristã, na
integridade de suas várias dimensões.
Teologicamente
falando a Iniciação Cristã possui quatro características que
definem sua natureza: 1): ela é obra do amor de Deus. A iniciação cristã
é graça benevolente e transformadora, que nos precede e nos cumula com
os dons divinos em Cristo 25.
24 CNBB- GRECAT, Com
adultos, catequese adulta: texto base elaborado por ocasião da 2ª Semana
Brasileira de catequese-
Estudos
da CNBB 80. São Paulo: Paulus 2001, nos 102-103.
9
2) Esta
obra divina se realiza na Igreja e pela mediação da Igreja. Como corpo
de Cristo, coloca os fundamentos da vida cristã e principalmente incorpora a
Cristo os que estão sendo iniciados pelos sacramentos da iniciação. Não é
iniciação a um movimento ou escola de espiritualidade, embora possam ajudar
muito. 3) Este dom de Deus realizado na e pela Igreja tem
um terceiro elemento: requer a decisão livre da pessoa. No
processo ou itinerário de iniciação a pessoa é envolvida inteiramente em todas
as esferas e dimensões do ser. O fracasso ou falta de perseverança no caminho
da fé se deve, muitas vezes, à falta deste envolvimento total dos iniciandos. 4)
Por fim, a iniciação cristã é a participação humana no diálogo da
salvação. É na iniciação cristã que a pessoa começa a fazer parte da
História da Salvação.
3. CAPÍTULO
III - Iniciação à vida cristã: como?
O
terceiro capítulo trata dos processos, descrevendo a dinâmica catecumenal. Palavra
e celebração foram importantes para que os primeiros discípulos
reconhecessem Jesus como centro de sua vida. São fundamentais para os cristãos
de hoje também. O itinerário da iniciação cristã inclui sempre “o anúncio da
Palavra, o acolhimento do Evangelho, que implica a conversão, a profissão de
fé, o Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à comunhão eucarística.” (Catecismo
1229). Temos a consciência de que muitos dos itinerários catequéticos oferecidos
aos não batizados e aos batizados de várias idades são fragmentados; mesmo
entre os que participam na comunidade e nos movimentos, há carência de
itinerários que lhes permitam mergulhar sempre mais no mistério de Cristo e sua
Igreja.
O
protótipo do processo, da metodologia que conduz à vida cristã é o catecumenato
batismal. Nas últimas décadas, a situação pastoral tem feito a Igreja
perceber que há também uma necessidade de catecumenato pós-batismal (Catecismo
1231), de grande valor para a iniciação integral de jovens e adultos
batizados, mas não suficientemente envolvidos no compromisso cristão.
Aparecida
assim descreve o catecumenato: “A iniciação cristã, que inclui o querigma, é a maneira
prática de colocar alguém em contato com Jesus Cristo e iniciá-lo no
discipulado. Dános, também, a oportunidade de fortalecer a unidade dos três
sacramentos... Propriamente falando, refere-se à primeira iniciação nos
mistérios da fé, seja na forma do catecumenato batismal para os não
batizados, seja na forma do catecumenato pós-batismal para os batizados não
suficientemente catequizados. Está intimamente unido aos sacramentos da
iniciação: batismo, confirmação e eucaristia... Teríamos que distingui-la,
portanto, de outros processos catequéticos e de formação que podem ter a
iniciação cristã como base” (DAp 288)
É um
paradigma inspirador que deve ser conhecido e valorizado. O modelo de catecumenato
apresentado pelo RICA possibilita a elaboração de itinerários diversos,
de acordo com as necessidades de cada realidade, conservando o que é essencial
e específico. Uma primeira característica essencial é o seu caráter cristocêntrico
e gradual. Está a serviço de quem decidiu seguir Jesus Cristo e
busca a conversão (cf DGC 89).
25 “A
iniciação cristã, em seu significado mais profundo, é sobretudo ação interior e
transformadora operada por Deus por meio
dos
sacramentos do batismo, da confirmação e da eucaristia”. (Emílio Alberich, Catequese
Evangelizadora p 154). Muitas
vezes
a catequese, em vez de iniciação, transforma-se em ensinamento doutrinal ou
processo de socialização (cf Ib.)
10
O
catecumenato é uma função vital da Igreja. Sua responsabilidade é de toda
a comunidade cristã. Todo o processo é impregnado do mistério da Pascal.
É lugar privilegiado de inculturação, onde são acolhidas na Igreja as
“sementes da Palavra” presentes nas pessoas e nas culturas. Garante uma formação
intensa e integral, está vinculado a ritos, símbolos e sinais,
e está em função da comunidade cristã.
O
processo catecumenal, de acordo com o RICA, é organizado em quatro
tempos (períodos ou fases) e em três grandes celebrações ou etapas,
das quais participam membros da comunidade, parentes e amigos.. A palavra
“etapa” aqui significa chegada e conclusão de um período (tempo) e passagem
para o seguinte: são momentos fortes marcados por uma celebração específica
lançando o catecúmeno para o tempo seguinte. Como se vê no quadro abaixo, por exemplo,
embora a celebração dos sacramentos seja um sinal forte na caminhada, esta
etapa não é o fim do processo (como comumente fazemos na atual catequese), mas
é a “porta” que se abre para a catequese mistagógica, que vai aprofundar a
educação para a vivência do mistério:
O
texto descreve com detalhes, cada um dos quatro tempos com suas etapas, fazendo
sempre a distinção entre catecúmenos (não batizados) e catequizandos (já
batizados) e entre esses, os que se encaminham para a primeira comunhão
eucarística e confirmação, ou apenas para a confirmação. São eles:
ESQUEMATICAMENTE:
Pré-catecumenato (1º
tempo)
Rito de admissão ao
catecumenato (1ª etapa)
Catecumenato (2º.
Tempo)
Celebração da eleição ou
inscrição do nome (2ªetapa)
Purificação e
iluminação (3º. Tempo)
Celebração dos sacramentos
da iniciação (3ª etapa)
Mistagogia (4º
Tempo).
QUADRO
GERAL DA INICIAÇÃO CRISTÃ: tempos, etapas, conteúdos...
1°
TEMPO Pré- Catecumenato ou Primeiro Anúncio (querigma) - dos Candidatos
Tempo do acolhimento
na comunidade cristã – Primeira evangelização - Inscrição
e colóquio com o catequista. – Ritos.
2°
TEMPO Catecumenato (tempo mais longo de todos) Tempo suficientemente
longa para:
- CATEQUESE
REFLEXÃO APROFUNDAMENTO.
- Vivência cristã,
conversão, - entrosamento com a Igreja. – Ritos. Preparação
para os Sacramentos (eleição)
3°
TEMPO Purificação e Iluminação (quaresma) Tempo de Preparação
próxima para Sacramentos. Escrutínios, entregas do Símbolo e
da Oração do Senhor- CATEQUESE – Práticas
quaresmais (CF, etc.) – Ritos. Celebração dos sacramentos
de Iniciação : Vigília
11
4°
TEMPO Mistagogia (tempo pascal) Tempo do Aprofundamento
e maior mergulho no mistério cristão, no mistério pascal. Vivência na comunidade
cristã.
Nas
etapas (celebrações de passagem de um tempo para o outro) são feitas as entregas
que representam os compromissos que vão sendo assumidos, como acontece na
entrega da Palavra de Deus, do símbolo da fé (o Credo) e da oração do
Senhor (o Pai Nosso). Elas representam também a herança da fé que é passada
aos novos cristãos. Outros rituais vão acompanhando o processo: a unção, os
exorcismos e os escrutínios.
Apresentam-se
também características complementares do catecumenato, como a atenção à
formação integral e vivencial, a dimensão orante, a prática da caridade e a
renúncia de si mesmos. Para isso a catequese deve ir além do conhecimento de verdades
e preceitos através da dimensão bíblica, orante, celebrativa, e
relacionar-se profundamente com o ano litúrgico. Há também o acompanhamento dos
introdutores, a contribuição dos padrinhos e membros da comunidade, a
participação gradativa nas celebrações da comunidade e estímulo ao testemunho de
vida. Entre catequese e liturgia deve haver íntima cooperação: elas se reforçam
mutuamente no processo catecumenal.
É um
modelo inspirador, aberto a adaptações. Em muitos lugares já há experiências
que estão pondo em prática o espírito catecumenal da iniciação cristã, com
criatividade e adaptação.
É um
modelo deve ser estudado e aplicado na medida do possível, na ação normal da
Igreja: não é restrito a alguns grupos, movimentos, e nem é só para situações
especiais ou excepcionais... Ressalta-se que esse processo, seriamente
assumido, traz grande renovação e qualidade para a vida paroquial.
A
importância que se dá à dimensão orante-ritual-celebrativa não pode deixar
esquecidos outros aspectos da pastoral.
Não
se pode implantar um processo com esse nível de exigência sem a correspondente preparação
e contínua reflexão e revisão de vida dos agentes, de todos os níveis, e sem
uma grande atenção à qualidade do testemunho da comunidade inteira. Um
catequista que não passou pelo processo catecumenal dificilmente irá
desenvolvê-lo eficazmente.
O
processo catecumenal pode ser aplicado aos diversos trabalhos de formação continuada
que já existem nas comunidades, aprofundando a missão evangelizadora
(encontros de preparação para o matrimônio e batismo...).
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Conclusão
Geral
Falando
de Iniciação à Vida Cristã, estamos falando da missão, da
formação de discípulos missionários, estamos dando resposta aos grandes
apelos da Igreja principalmente nestas últimas décadas. Esse tema está
profundamente relacionado com a questão do Primeiro Anúncio, do Querigma,
que, no esquema catecumenal é o primeiro passo (chamado précatecumenato).
Relaciona-se
também com o tema da formação presbiteral (cujo documento a 47a.
Assembléia da CNBB aprovou em abril passado) e da formação de catequistas.
Somos os primeiros iniciados na fé, para podermos iniciar nossos irmãos. Do
contrário, seremos excelentes executivos de uma multinacional chamada Igreja
Católica, agência de serviços religiosos, e não apóstolos-missionários...
Está
também relacionado com tudo o que diz respeito à maior compreensão da Palavra
de Deus, a leitura orante da Bíblia, o tema do Sínodo de 2008. Como iniciar na
fé a não mediante as Sagradas Escrituras?
Grandes
temas que vivemos em nossa vida eclesial recente, fazem-se presentes na Iniciação
à Vida Cristã, como a dimensão comunitária de nossa fé (pois
iniciação cristã só se faz em comunidade e para a comunidade eclesial), a interação
entre fé e vida, tão presente em nossa tradição catequética recente, o testemunho
do Evangelho no dia a dia, a dimensão sóciotransformadora, a opção
evangélica pelos pobres... Como dizia acima falar das CEBs, se hoje redescobrimos
o documento Ad Gentes por causa de seu impulso missionário mais
explícito, acentuamos mais a dimensão místico-espiritual na comunicação da fé,
de maneira nenhuma queremos deixar de lado o profético documento Gaudium et
Spes... inspirador dos documentos de Medellín, que Aparecida revisitou!
Tem
importância a Iniciação à Vida Cristã? É um tema prioritário?
Essa proposta não é nossa. Estamos até, de certo modo, chegando um pouco
atrasados, como Igreja no Brasil, com relação a outros episcopados que já
assumiram a Iniciação à Vida Cristã há tempo: é o apelo hoje por toda a Igreja.
Também em nível acadêmico é um tema muito pesquisado, promovem-se estudos,
congressos, assembléias, semanas em torno da Iniciação tanto em países
de velha cristandade, como na Europa, como na África e Américas (a nossa III
Semana Brasileira de Catequese é prova disso).
Pode
parecer que estejamos ressuscitando fórmulas antigas... Revisitar o passado, ou
os inícios da Igreja, é premência de nossos tempos, é conscientizar-se do
descompasso entre algumas estruturas herdadas do regime de cristandade (por
ex.: uma catequese concebida como aprendizado doutrinal em vista de um
sacramento), e corajosamente, como pede Aparecida, buscar novos e mais
eficazes caminhos. Com relação ao catecumenato, não é importante a estrutura,
tal como nos apresenta o RICA, mas sim a inspiração catecumenal.
Catequese de inspiração catecumenal significa uma catequese mais aderente à
Palavra de Deus, mais orante, mais celebrativa, que, sem deixar a linguagem
racional e doutrinal da fé, usa também e sobretudo a linguagem simbólica, em
seus vários níveis. Mistério não se explica: contempla-se! .
É
preciso entender que catequese, tal qual nós a entendemos e praticamos
hoje, não é sinônimo, automaticamente, de Iniciação à Vida Cristã.
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O
processo iniciático (e aqui estamos falando do modelo catecumenal) é muito mais
amplo que a catequese. Tomada como momento do ensino, do aprofundamento no
mistério de Cristo Jesus, a catequese é um tempo, um momento do
catecumenato... o mais longo, sim, mas envolvido por outras tantas intervenções
da comunidade cristã, que, pela oração, pelos gestos, pela pedagogia da fé vai
gestando seus novos filhos.
Daí
a complexidade desse novo paradigma, daí a necessidade de multiplicar
os ministérios: é impossível e impraticável uma iniciação à vida cristã
conduzida só pelo tradicional catequista. O cap. V do documento Iniciação à
Vida Cristã se estende na descrição dos vários ministérios aí implicados,
principalmente os litúrgicos, o ministério ordenado (diáconos, presbíteros e
bispos!), a pastoral familiar, a animação bíblica, etc. Em termos de
organização da catequese, o documento pede que se acabe com as coordenações de
preparação para Batismos, de preparação para a Primeira Comunhão Eucarística e
para a Crisma e se crie uma única “coordenação dos sacramentos da
iniciação”!
Conseqüentemente,
a Iniciação à Vida Cristã bem conduzida, irá mexer com toda a estrutura
paroquial, e até diocesana! Os que a tem colocado em prática são concordes
em afirmar que o processo da Iniciação Cristã traz benefícios não só aos
catequizandos e catecúmenos, mas a toda a comunidade! E se não podemos mudar
tudo de uma vez... podemos ir aos poucos... Programar, por exemplo, o
calendário catequético conforme o ritmo do Ano Litúrgico e não do Ano
Escolar... já é um bom começo: desescolarizar a catequese! Não se trata de
negar o passado, mas de revigorar o presente.
Com
relação aos não batizados e aos já batizados: o RICA, que é um livro
litúrgico a ser descoberto em primeiro lugar pelos ministros ordenados (alguns
catequistas já estão se familiarizando com ele... ao menos com o nome!) propõe
o processo catecumenal paradigmático em seu I capítulo, ou seja, para
adultos não batizados. Os demais capítulos contemplam as outras situações e
propõe a mesma dinâmica, tratando-se de completar a iniciação batismal com a Eucaristia
e/ou a Crisma. O que precisamos fazer também é recuperar a unidade dos três sacramentos.
No início havia um só sacramento da iniciação (cada um com sua
especificidade!); mas é o conjunto e a unidade dos três sacramentos que
realizam a plena iniciação à vida cristã.
Muitas
são as exigências na implantação desse novo (e tão antigo!) paradigma!
Desafianos a formação dos presbíteros, dos introdutores, catequistas,
padrinhos... da comunidade! Se é verdade que Deus nos fala pelos acontecimentos
e pelos sinais dos tempos... levar a sério, apesar das dificuldades, a Iniciação
à Vida Cristã, é para nós apelo do Espírito! Ouçamos sua voz!
Amém
Itaici (SP), 07 de
Outubro de 2009 – III Semana Brasileira de Catequese – Na. Sa. do Rosário!
Pe. Luiz
Alves de Lima, salesiano, é doutor em Teologia Pastoral Catequética, assessor
de catequese na CNBB e CELAM, membro fundador da SCALA, conferencista,
professor e membro da diretoria no Campus Pio XI do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo, nas PUCs de Curitiba e de Goiânia, e no Instituto
Teológico Latino-Americano (ITEPAL) de Bogotá; editor e redator da Revista
de Catequese; redator do Diretório Nacional de Catequese e
participante da equipe que elaborou o Estudo da CNBB Iniciação à Vida
Cristã.