Dom Orani João Tempesta
- SEGUNDA, 08 DEZEMBRO 2014 11:34
- CNBB
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A solenidade da Imaculada Conceição de Maria está colocada liturgicamente em um lugar privilegiado, ou seja, no tempo litúrgico do Advento, e ajuda-nos a ver a Nossa Senhora no cumprimento da sua missão na história da salvação.
Já celebrada no século XI, esta solenidade insere no contexto do Advento-Natal, unindo a expectativa messiânica e o retorno glorioso de Cristo com a admirável memória da Mãe. Neste sentido, este período litúrgico deve ser considerado como tempo particularmente adequado para o culto da Mãe do Senhor. Maria é toda santa, imune de qualquer mancha de pecado, como que plasmada pelo Espírito Santo e feita nova criatura. Profeticamente vislumbrada na promessa da vitória sobre a serpente feita no livro do Genesis, Maria é a Virgem que conceberá e dará à luz um filho cujo nome será Emanuel. O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado por Pio IX em 1854.
O Dogma da “Imaculada Conceição” foi definido e declarado pelo Papa Pio IX à 08/12/1854, com a seguinte fórmula “... Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina, de que a beatíssima Virgem Maria no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente e em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha da culpa original, é revelada por Deus e por isso, deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis” (Bula, Ineffabilis Deus).
Nessa fórmula podemos observar que o sujeito da Imaculada Conceição é a sua pessoa. A declaração de Pio IX se refere à imunidade do pecado original e afirma a dependência essencial em relação ao seu Filho. A teologia insere a Imaculada Conceição na visão geral do mistério cristão, o harmoniza com o conjunto da vida de Maria e com os vários elementos da história da salvação e sobretudo com o centro vivo, Jesus Cristo.
A Imaculada Conceição forma parte do plano salvífico de Deus. Só Deus justifica gratuitamente na fidelidade ao seu projeto da salvação mediante a graça redentora de Cristo: “Todos... são justificados gratuitamente pela sua graça, em virtude da redenção realizada por Cristo Jesus” (Rm 3,24). A Imaculada Conceição é assim um sinal luminoso da graça do amor de Deus, que se realiza mesmo antes da resposta responsável da criatura. A preservação do pecado e a plenitude da graça não são fruto da fé, ou da liberdade orientada para Deus, nem mesmo das obras de Maria. A Imaculada Conceição manifesta a absoluta iniciativa de Deus Pai e significa que desde o início de sua existência, Maria foi envolvida pelo amor redentor e santificante de Deus.
Unir o evento da Imaculada Conceição com o plano salvífico de Deus significa relacioná-lo necessariamente a Cristo, centro do plano do Pai. Os textos bíblicos realçam o primado de Cristo em face de toda a criação (Cl 1,15. 17; Ef 1,10. 21; Jo 1,1 – 3; Ap 1,8) e sua função redentora e reconciliadora como a cabeça da Igreja (Cl 1,18 – 20; Ef 1,3 – 14; Rm 8,32 – 39; Ap 1,5 – 6).
Santo Agostinho foi o primeiro a perceber a necessidade da vinculação entre a “intuição da fé” sobre a santidade originária de Maria e a verdade fundamental da redenção universal operada por Cristo. A partir de então a Imaculada Conceição de Maria apresenta-se como um caso de verdadeira redenção. Neste sentido só se pode compreender Maria partindo de Cristo. Sendo Cristo o único mediador e redentor do mundo, e na sua morte e ressurreição aconteceu de uma vez para sempre e irrevogavelmente a reconciliação da humanidade com Deus (cf. 2Cor 5,18 – 21), compreende-se que no seu mistério pascal, é o salvador também de sua mãe (LG 53). Portanto, o dogma da Imaculada Conceição é um capítulo da própria doutrina da redenção e o seu conteúdo constitui a forma mais radical e prefeita de redenção.
A atribuição da Imaculada Conceição à Maria se harmoniza com sua maternidade divina e santa com o seu papel colaboradora na obra do Filho, único Redentor. Por causa da sua comunhão íntima de vida e de destino com Cristo, Maria foi envolvida, desde o primeiro momento de sua existência, pelo amor do Pai, pela graça do Filho e pelos dons do Espírito. Ela é exemplo de justificação por pura graça, que não fica inerte nela, mas provoca uma resposta de fé total ao Deus Santo que a santificou. Ela manifesta a plenitude e a perfeição do amor redentor de Cristo eficaz ontem, hoje e sempre.
A Imaculada Conceição é o começo de um mundo novo pelo Espírito: é plenitude de amor, superabundância de realidade cristã, nostalgia do paraíso perdido e reencontrado. Em Maria, a Igreja encontra sua “utopia”, a sua imagem mais santa depois de Cristo. A Imaculada Conceição tem função tipológica para a comunidade cristã e para cada cristão, por isso, o privilégio de Maria não a separa da humanidade e nem mesmo da Igreja. Mesmo o esplendor do Espírito Santo, Maria continua ancorada na terra, na história, na concretude da condição humana. Se ela foi preservada do pecado e da tendência que conduz ao mal, não ficou isenta dos sentimentos humanos mais intensos e vitais, das limitações e condicionamentos culturais, do sofrimento, do caminho de amadurecimento e da peregrinação na fé. Fez sua vida de mulher pobre e mãe dedicada, sob influência da graça, uma entrega incondicional a um projeto santo: o Projeto do Reino de Deus.