Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger
Domingo da Divina Misericórdia
- TERÇA, 14 ABRIL 2015 19:00
- CNBB
Dom Murilo Sebastião Ramos KriegerArcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
Ao presidir a canonização de sua conterrânea Irmã Faustina Kowalska (30.04.2000), o papa S. João Paulo II surpreendeu o mundo a instituir o "Domingo da Divina Misericórdia", a ser comemorado sempre no segundo domingo após a Páscoa. Desejou, assim, que todos aprendessem "a conhecer sempre melhor o verdadeiro rosto de Deus e o genuíno rosto dos irmãos".
Quem procurar nos dicionários etimológicos a origem da palavra "misericórdia" ficará surpreso, pois encontrará ao menos cinco explicações; a mais comum é que tal palavra vem de "miserere" (ter compaixão) e "cordis" (de coração"). Misericórdia seria, então, ter compaixão de coração; ter a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente; ser solidário com os outros; dar o coração àqueles que são vítimas da miséria; ter espaço no coração para acolher os outros; ter um coração capaz de fazer sua a dor do outro etc. Quando, pois, o apóstolo Paulo afirma que "Deus é rico em misericórdia" (Ef 2,4), quer nos lembrar justamente isto: vendo a situação em que estávamos, Ele voltou o seu coração para nós." O apóstolo ainda acrescenta: "Quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, Ele nos deu a vida com Cristo".
O Papa Francisco tem feito desse tema a ideia central de seu ministério. Ele está convicto de que os seres humanos só encontrarão a paz quando se voltarem com confiança para a misericórdia divina. Lembro uma de suas observações em sua encíclica "Evangelii gaudium" (Alegria do Evangelho): "Se alguma coisa deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida" (49). Apresentar a todos o rosto de Cristo, expressão viva da misericórdia do Pai, é, pois, ser misericordioso.
Todos têm direito de fazer uma profunda experiência da misericórdia divina. Há um grupo de pessoas, contudo, que é especialmente convidado a isso: os aflitos, os que sofrem e os que não se sentem amados. Não é dessa forma que devem ser interpretadas as palavras de Jesus? “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração” (Mt 11,28-30).
Em nossa linguagem, a palavra “coração” é muito mais do que o órgão físico que recebe o sangue e o distribui pelo corpo. O coração humano é comumente identificado como a sede dos sentimentos, das emoções e da consciência. Dizemos, e todos compreendem: “A bondade daquela pessoa tocou-me o coração”; ou, então: “Aquele homem tem um bom coração”; “Ela deu o coração a quem não o merecia” etc. Por isso, o Concílio Vaticano II (1962-1965), referindo-se a Jesus, observou: “Ele trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana e amou com coração humano” (GS, 22).
Querendo atrair para si os que sofrem, além de antecipar que todos podem ir ao seu encontro sem medo nem preocupações, Jesus contou parábolas (pequenas histórias), ricas de detalhes. Nelas transparece uma certeza: os que se voltarem para a misericórdia divina não se decepcionarão, pois serão acolhidos de braços abertos. O passo seguinte será uma festa - a festa do reencontro. A razão dessa alegria nos foi dada pelo apóstolo Pedro: "Tende consciência de que fostes resgatados (...) não por coisas perecíveis, como a prata ou o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo" (1Pe 1,18-18).
Somos muito mais preciosos aos olhos de Deus do que imaginamos. Sua misericórdia é uma prova disso.
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