Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Há uma bonita tradição que representa São José "Adormecido", cuja imagem encontrei há poucos dias. O José do Novo Testamento recorda José do Egito, chamado "homem dos sonhos".
Nenhum dos dois viveu fora da realidade, como pode parecer por uma análise superficial. Antes, foram pessoas atentas aos planos de Deus, na permanente prontidão para realizar a sua vontade. São José, sendo um homem justo, tomou decisões a partir da revelação dos rumos a serem assumidos, dentro da história da salvação. "A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José e, antes de passarem a conviver, ela encontrou-se grávida pela ação do Espírito Santo. José, apareceu-lhe em sonho um anjo do Senhor, que lhe disse: José, Filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados. Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: "Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus-conosco. Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor tinha mandado e acolheu sua esposa. E, sem que antes tivessem mantido relações conjugais, ela deu à luz o filho" (Mt 1, 20-24)... "Depois que os magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo”. José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o Egito" (Mt 2, 13-15)... "Quando Herodes morreu, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e lhe disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e volta para a terra de Israel; pois já morreram aqueles que queriam matar o menino”. Ele levantou-se, com o menino e a mãe, e entrou na terra de Israel. Mas quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Depois de receber em sonho um aviso, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré" (Mt 2, 19-23). À percepção da vontade de Deus, segue-se sempre uma ação, toda voltada para "o menino e sua mãe".
Em Nazaré, José constituiu e sustentou sua original família, cujas razões e desenvolvimento se encontram no Céu, solidamente ancorada no trabalho. Foi carpinteiro dos bons e Jesus, chamado seu filho, aprendeu a mesma profissão. Maria, aquela que veneramos com tanto apreço, foi imensa em sua pequenez e simplicidade de dona de casa! A José e Maria não faltaram Anjos para lhes revelarem o que Deus queria, nem lhes faltou a responsabilidade para assumir as próprias tarefas, sem fugir da missão que lhes foi entregue, que incluía o direito e o dever do trabalho.
O grande Papa São João Paulo II, na introdução da Encíclica Laborem Exercens, ofereceu um precioso ensinamento, oportuno para o tempo em que vivemos, com os desafios ligados ao trabalho e ao emprego: "É mediante o trabalho que o homem deve procurar-se o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos. E com a palavra trabalho é indicada toda a atividade realizada pelo mesmo homem, tanto manual como intelectual, independentemente das suas características e das circunstâncias, quer dizer toda a atividade humana que se pode e deve reconhecer como trabalho, no meio de toda aquela riqueza de atividades para as quais o homem tem capacidade e está predisposto pela própria natureza, em virtude da sua humanidade. Feito à imagem e semelhança do mesmo Deus no universo visível e nele estabelecido para que dominasse a terra, o homem, por isso mesmo, desde o princípio é chamado ao trabalho. O trabalho é uma das características que distinguem o homem do resto das criaturas, cuja atividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho; somente o homem tem capacidade para o trabalho e somente o homem o realiza preenchendo ao mesmo tempo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza".
E o Papa Francisco, com a força de sua palavra e seu testemunho ilumina mas ainda nossa reflexão, ligando família e trabalho: "No início do Salmo 127, o pai é apresentado como um trabalhador que pode, com a obra das suas mãos, manter o bem-estar físico e a serenidade da sua família: "Comerás do fruto do teu próprio trabalho: assim serás feliz e viverás contente" (V. 2). O fato de o trabalho ser uma parte fundamental da dignidade da vida humana deduz-se das primeiras páginas da Bíblia, quando se afirma que Deus "colocou o homem no Jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar" (Gn 2, 15). Temos aqui a imagem do trabalhador que transforma a matéria e aproveita as energias da criação, fazendo nascer o "pão de tanta fadiga" (Sl 126, 2), para além de se cultivar a si mesmo. O trabalho torna possível simultaneamente o desenvolvimento da sociedade, o sustento da família e também a sua estabilidade e fecundidade: "Possas contemplar a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida e chegues a veros filhos dos teus filhos" (Sl 127, 5-6). No livro dos Provérbios, realça-se também a tarefa da mãe de família, cujo trabalho aparece descrito nas suas múltiplas mansões diárias, merecendo o elogio do marido e dos filhos (Cf. 31, 10-31). O próprio apóstolo Paulo sentia-se orgulhoso por ter vivido sem ser um fardo para os outros, porque trabalhou comas suas mãos, garantindo-se deste modo o sustento (Cf. At 18, 3; 1Cor 4, 12; 9, 12). Estava tão convencido da necessidade do trabalho, que estabeleceu esta férrea norma para as suas comunidades: "Se alguém não quer trabalhar, também não coma" (2Ts 3,10; Cf. 1Ts 4, 11). Dito isto, compreende-se que o desemprego e a precariedade laboral gerem sofrimento, como atesta o livro de Rute e como lembra Jesus na parábola dos trabalhadores sentados, em ócio forçado, na praça da localidade (Cf. Mt 20, 1-16), ou como pôde verificar pessoalmente vendo-Se muitas vezes rodeado de necessitados e famintos. Isto mesmo vive tragicamente a sociedade atual em muitos países, e esta falta de emprego afeta, de várias maneiras, a serenidade das famílias. Também não podemos esquecera degeneração que o pecado introduz na sociedade, quando o homem se comporta como um tirano com a natureza, devastando-a, utilizando-a de forma egoísta e até brutal. Como consequência, temos, simultaneamente, a desertificação do solo (Cf. Gn 3, 17-19) e os desequilíbrios econômicos e sociais, contra os quais se levanta, abertamente, a voz dos profetas, desde Elias (Cf.1Rs 21) até chegar às palavras que o próprio Jesus pronuncia contra a injustiça (Cf. Lc 12, 13-21; 16,1-31) (Amoris Laetitia 23-26).
Impossível calar, a esta altura dos acontecimentos e da crise do trabalho e do emprego, a voz do Papa Francisco, na recente Exortação Apostólica sobre o Matrimônio e a Família, que soa como um grande apelo, cujo eco esperamos ver acolhida no dia do trabalho. Confiamos a São José Operário o desejo de que não se abafem os legítimos sonhos e aspirações de nosso povo.
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