Dom Caetano Ferrari
Bispo de Bauru
Que Jesus, enquanto passou por este mundo, era sensível à dor, os Evangelhos atestam com abundância. No trecho evangélico da Missa de hoje - Lc 7, 11-17 - Jesus sentiu compaixão para com uma viúva que encontrou à porta da cidade chamada Naim, a qual levava à sepultura o seu filho único; Ele, com os discípulos, entrava na cidade e ela, com o féretro, saía para o lugar do sepultamento. Jesus se aproximou e disse à mulher: “Não chores!” Depois, fazendo parar a comitiva, tocou o caixão e disse: “Jovem, Eu te ordeno, levanta-te!” O que estava morto sentou-se e começou a falar. Jesus o entregou à sua mãe e seguiu adiante. Conforme o registro de Lucas, o povo encheu-se de temor e glorificava a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo”.
É Claro, esse extraordinário milagre deixou a mais forte impressão em todos os presentes como deixa ainda hoje em todos nós. No entanto, não deve deixar de nos impactar o forte sentimento demonstrado por Jesus. Quando Deus mesmo sente compaixão, é sensível à dor e ao sofrimento das pessoas, sobretudo dos vulneráveis, como as viúvas, os pobres, os abandonados, então, isso é realmente impressionante, sobrenatural, divino. Revela-se a sublimidade do amor de Deus por seus filhos e filhas. Sendo Deus, Ele agia, conforme demonstrou mais de uma vez, concedendo-lhes do seu poder divino, o milagre que continua a realizar ainda hoje.
O que será que Jesus nos pede, sendo seus discípulos e respeitando a nossa condição de humanos? Ora, não resta dúvida, Ele pede que tenhamos os mesmos sentimentos do seu coração. Como insiste em dizer o Papa Francisco, o que Jesus mais pede é que sejamos misericordiosos. Jesus, por certo, não conta conosco para fazer os milagres que só Deus pode fazer. Incentiva-nos que Lhe supliquemos que os faça, contudo, espera que tenhamos a disposição interior de respeitar a sua vontade que nem sempre coincide com a nossa. O que Jesus nos pede, isso sim, é que antecipadamente façamos os milagres que os seres humanos podem fazer. Por exemplo: dar solidariedade, presença, todo tipo de ajuda material, espiritual. Para concluir da provocação do Evangelho, respondamos: Somos sensíveis à dor ao nosso redor? Que milagres humanos, temos realizado em benefício dos que sofrem?
Peço de novo a sua licença, caro leitor e leitora, para prosseguir na reflexão sobre temas de fé e política.
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja afirma que nenhum partido ou corrente política corresponde completamente às exigências da fé e da vida cristã. E que os cristãos ao fazer as suas escolhas político-partidárias devem estudar com atenção e cautela o projeto sociopolítico de tal ou qual agremiação a fim de se certificar que corresponda às exigências éticas da fé e da pertença à Igreja, que priorize o bem comum, que permita programar formas de serem alcançados os fins espirituais do homem. Por isso, a Igreja como instituição não tem partido nem toma partido (cf. nº 573).
Você não acha, leitor e leitora, que a Igreja está absolutamente certa ao dizer que não é racional pensar a existência histórica de um ‘Estado ideal’ que sirva para todo tempo e lugar? O Reino de Deus é uma utopia inalcançável aqui na concretude da nossa existência. Quanto à utopia, porém, lembremos que a utopia não morreu, como diz, por exemplo, o poeta Eduardo Galeano: “Para que serve a utopia? Ela está diante do horizonte. Me aproximo dois passos e ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos à frente. Por muito que eu caminhe nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.
Ora, não é difícil perceber que todos os nossos partidos são deficitários em algum ponto senão fundamental ao menos importante da fé e da moral da Igreja. Que ficam comprometidos quando exigem obrigatoriamente fidelidade ao seu ideário e seus programas. Então, está claro que alguns partidos devem de princípio ser simplesmente rechaçados. Por exemplo, os que se declaram ateus ou contra a vida. Porque não dá para entrar no que despreza a Deus e nega a sua lei na política e na economia nem o que é a favor do aborto quando eles exigem a fidelidade obrigatória. Como o partido ideal da Igreja é o Reino de Deus com a sua justiça é evidente que a Igreja instituição não adere a nenhum dos partidos que estão hoje funcionando no Brasil. No entanto, ela apoia e incentiva os fiéis leigos a entrar na política partidária para inclusive neles defender os nossos valores. Sugere que escolham a agremiação mais próxima dos valores cidadãos e cristãos e que garantam aos seus associados, sem nenhuma restrição, o direito da liberdade para não adesão aos pontos programáticos que vão contra a sua consciência, e para o voto livre segundo a sua consciência.
São João Paulo II, na “Christifideles laici”, fala que “não é lícito a ninguém ficar inativo” (n. 3,2). Este mundo secularizado, esta vida complexa com seus problemas e desafios de hoje compõem uma nova realidade que deve ser assumida por todos, pois, “é esta, todavia, a vinha, é este o campo no qual os fiéis leigos são chamados a viver a sua missão” (n. 3,5).
O idealismo evangélico e o realismo político devem ser trabalhados pelos leigos, com discernimento e firmeza, de tal modo que esconjurem os extremismos dos regimes autoritários baseados no fundamentalismo seja do ‘Estado confessional’, com a sua ditadura religiosa, seja do ‘Estado ateu’, com a sua ditadura secular. O Papa santo pede que os católicos defendam na política os valores cristãos: “a liberdade, a justiça, a solidariedade e o amor preferencial pelos pobres e pelos últimos” (idem, 42-47).
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