Os santos dizem que é “partindo do finito que devemos chegar ao infinito”; partindo do material devemos chegar ao espiritual. Assim, contemplando a beleza, as cores, o perfume e o desenho das flores, das criaturas, podemos tocar o rosto do Criador. Santo Agostinho assim dizia: “Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar, que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu…, interroga todas essas realidades. Todas te respondem: ‘Vê, nós somos belas’. A sua beleza é uma confissão. Essas coisas belas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo, não sujeito à mudança?”. Interroga as criaturas e elas te responderão.
O sábio autor, Michel Quoist, dizia algo muito profundo em seu livro “CONSTRUIR O HOMEM E MUNDO”(Ed. Cléofas), que “a beleza da matéria é proporcional à intensidade do espírito que a penetra”. Você já se perguntou como tem parado para observar as criaturas de Deus? Com uma pedra bruta o espírito de Michelangelo fez a Pietá, e Rembrandt pintou a beleza do filho pródigo com uma tela e um pouco de tinta. É preciso aprender a olhar as criaturas e as situações com os olhos da alma, com olhos espirituais.
Quando pequeno, uma das minhas diversões prediletas era soltar pipas, dar “joguinhos” com elas no ar, fazer “briguinhas” com as outras… Quem já fez isso sabe que é uma arte e um desafio que encanta a criança e o adolescente. Mas agora, a minha diversão é outra; é aprender as lições espirituais que ela me dá.
1ª Lição: Cuide bem de sua estrutura
Eu mesmo construía as minhas pipas. Sempre me dedicava a essa tarefa com todo carinho e capricho, pois sabia que era importante cuidar de sua estrutura para que subisse com sucesso. Sabia que fosse pesada ou pensa de um lado, dava tudo errado. Antes de tudo ela precisava ser bem construída.
E essa foi a primeira coisa que aprendi: Para construir uma boa pipa é necessário cuidado e atenção com sua estrutura para que ela consiga subir para o alto. Assim também deve ser com a nossa alma, para que possamos crescer na fé e na intimidade com Deus, nosso espírito precisa ser bem cuidado.
2ª Lição: Um bom vento nunca pode faltar
Nas férias, acordava já olhando na janela para ver se as folhas das árvores se moviam. Era uma decepção o dia que não tinha bons ventos. E sem vento, nada feito.
Sem o Espírito Santo em nossa alma, sem o seu fogo abrasador, também fica bem difícil progredirmos no campo espiritual. Jesus disse que sem Ele não podemos fazer nada (cf. Jo 15,5). Há muitos meninos que tentam insistentemente colocar a pipa no ar sem vento; acabam desanimando, às vezes até rasgando a pipa. Assim são os missionários e evangelizadores que fazem um apostolado sem oração, sem vida interior, sem meditação, sem vida sacramental. Não colhem os frutos.
3ª Lição: É preciso ser leve
O papel da pipa deve ser leve, de seda, senão pesa e o vento não a levanta. Assim também como a nossa alma que deve ser de “papel leve”, sem o peso dos vícios e dos pecados, sem os caprichos e picuinhas, as imaturidades e egoísmos que impedem o Espírito de fazê-la subir.
As varetas da pipa precisam ser leves, finas e fortes, de bambu -Inclusive, penso que não haveria outra matéria adequada mais adequada que o bambu para essas varetas- e eram bem preparadas; afinadas e alisadas; é a “estrutura” que mantém a pipa sem quebrar no ataque do vento sobre ela. Se as varetas estiverem pesadas, ela não sobe, o vento não a leva para o alto. O nosso espírito também precisa ser de um “material” leve, fino, flexível e resistente; não pode ficar pesado com as preocupações da vida, do dinheiro, dos apegos às coisas do mundo, aos nossos caprichos, e à falta de vida espiritual, que o enfraquecem. Uma pipa só deve possuir o essencial para voar, senão não sai do chão.
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4ª Lição: É preciso equilíbrio e direção
Depois de pronta, eu fazia o cabresto e o rabo; e tem de ser bem feitos. O cabresto é para ligá-la à linha e mantê-la de frente para o vento, fazendo-o bater de maneira correta em sua superfície, para ascendê-la. Se o cabresto for mal feito, a pipa não sobe, não pega o vento. O rabo é para lhe dar estabilidade; para não a deixar ficar girando no ar descontroladamente até cair. O espírito precisa ter um “cabresto” bem feito para guiá-lo. Vejo aí a “sã doutrina da fé” (1 Tm 1,10; 4,6; Tt 1,9; 2,1) que não deixa o espírito se desnortear, ficar rodando como uma pipa sem rabo até afundar. São Paulo recomendou aos efésios: “Não sejamos crianças ao sabor das ondas, agitados por qualquer “vento de doutrina”, ao capricho da malignidade dos homens e de seus artifícios enganadores” (Ef 4,14).
A Igreja sopra o bom vento da “sã doutrina” que permite ao espírito galgar as alturas e ali se estabilizar. Há bons e maus ventos. Se o vento é fraco, ou se fica mudando de direção sem cessar, a pipa não sobe; e se for forte demais, também não para no ar, entra em turbulência e cai. Este vento é aquele que precede uma tempestade com nuvens carregadas. Nosso espírito não consegue subir no meio das turbulências da vida, das agitações, barulhos, interesses outros que não seja tocar Deus. Por isso, só pode haver paz e vida interior se houver silêncio e desligamento das preocupações. Confiá-las a Deus.
O espírito precisa ter como que uma “cauda” que o estabilize e não o deixe girar como uma biruta. Vejo aí que a meditação de um tema, de uma palavra de Jesus, de um bom livro espiritual, nos ajuda a subir sem ficar girando como um cachorro que corre para pegar o próprio rabo. É preciso ter um programa de vida espiritual para se manter nas alturas da fé.
O bom vento da alma é aquele que o Espírito Santo “sopra onde quer e como quer’, é aquele que o doce hóspede de nossa alma sopra no campo da nossa alma para que o espírito suba até Deus. É preciso aproveitar o vento, estar alerta, pois não se sabe quando ele chega e quando cessa. A pipa deve estar pronta, com cabresto e rabo; à mão. É a diligência espiritual, a vigilância da alma.
E tem algo fundamental: a pipa precisa de ser “presa” pela linha. É ela que mantém a pipa sendo atingida de frente pelo vento para que possa subir. E aqui há também um grande segredo. A linha também deve ser forte e leve. Se a linha é fraca, o vento forte a arrebenta e a pipa some; se for pesada o vento não consegue levantá-la. Por isso a boa linha é de fino algodão, e de boa qualidade, sem falhas, sem ser “tosada”. É uma decepção quando a linha arrebenta e a pipa vai embora. É uma perda dura para o menino. A linha da pipa espiritual não pode romper.
A linha não é um limitador que tira a liberdade da pipa, ao contrário, é a sua garantia de ficar no ar. Assim são as normas da vida espiritual: os Mandamentos e os bons preceitos da religião que mantém o bom vento do Espírito soprando e mantendo o espírito no alto. É a linha que permite você dar-lhe comando, fazê-la girar, fazer belas manobras no ar, baixar e subir com grande elegância. Assim são os vínculos da fé e da doutrina.
Outra coisa interessante é que se a pipa subiu, ela ganha estabilidade, porque quanto mais alto, melhor é o vento. Quanto mais linha você lhe dá, mais ela sobe e mais se estabiliza. Mesmo que vente pouco em baixo, nas alturas venta mais. O difícil é pô-la no ar. Nem sempre é fácil; às vezes os espaços são poucos; ela pode enroscar em um fio, em uma árvore e se rasgar toda, é o fim. O espírito precisa de espaço para subir; o bom é um campo aberto e sem árvores perto. O espírito não sobe se estiver sufocado por coisas que o atrapalham subir. Cada um sabe o que atrapalha sua alma.
5ª Lição: Conheça sua pipa
Outra coisa, quanto maior for a pipa, mais forte deve ser a linha e maior o rabo, tudo é proporcional, porque o vento bate com mais intensidade nela por causa de sua área maior. Nosso espírito tem o seu tamanho, precisamos conhecê-lo para guiá-lo bem.
Aqui, listei apenas 5 lições que tirei de uma simples pipa, existem outras mais. Agora deixo a você a missão de treinar seu olhar, meditar e tirar mais algumas lições como essas para a sua vida. Deus quer falar conosco a todo momento, quem tiver olhos para ver, que veja; e quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.
Prof. Felipe Aquino
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