«É preciso fazer alguma coisa», dizia um dos elementos do Serviço Diocesano da Catequese depois de termos passado algum tempo a olhar a realidade da catequese na Diocese. Os problemas que se levantavam eram, provavelmente, os que se sentem em muitas das nossas catequeses paroquiais: uma catequese que não tem os resultados desejados; catequistas que sentem, de alguma forma, a frustração de não conseguir realizar o trabalho preparado; o pouco envolvimento das famílias no caminho catequético dos filhos; as dificuldades em inserir as comunidades no percurso das crianças e adolescentes, e estes nas comunidades…
Um olhar, ainda que superficial, para a nossa história mais recente, faz-nos compreender que, nos últimos decénios, o mundo se transformou, e sabemos bem que se trata de uma mudança profunda, que nos insere num novo contexto sócio-cultural e religioso. Uma realidade nova, e sempre em mutação, onde a evangelização e a catequese são constantemente postas em causa. O que «funcionava» até há pouco tempo deixou de ter os mesmos resultados.
Esta mudança é apresentada como ponto de partida para uma nova atitude da parte da Igreja: «À medida que a Igreja toma consciência da descristianização do ambiente social procura responder a esta situação renovando a sua acção pastoral numa perspectiva de evangelização», afirmam os Bispos no nº 3 no documento Para que acreditem e tenham vida, orientações para a catequese actual. «É preciso fazer alguma coisa». A mesma atitude positiva: diante da realidade actual, não podemos cruzar os braços mas reconhecer que os problemas que catalogamos são desafios novos para continuar a missão da Igreja que não tem a razão de ser em si mesma, mas está ao serviço da missão, como nos recorda este mesmo documento ao citar Paulo VI: «Evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal e o dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa». Actualmente, sentimos e percebemos que o mundo da missão não é propriamente «lá longe», e que viver esta identidade da Igreja é um desafio que nos lança para as ruas e as praças das nossas cidades, como das nossas mais pequenas aldeias. E talvez nem tenhamos mesmo de nos afastar muito das nossas próprias casas.
Com uma agravante: «No nosso evoluído mundo pós-cristão, onde o desencantamento da fé leva a considerá-la ultrapassada, o anúncio do Evangelho tornou-se bem mais problemático do que poderia ser num ambiente que ainda o ignorasse totalmente, que o olhasse como uma novidade difícil de aceitar, mas fascinante. O primeiro inimigo que é necessário enfrentar, actualmente, é o hábito, a rotina maçadora que obtura as mentes e fecha os corações, a presunção de já conhecer aquilo que se quer comunicar». Ou seja, o desafio missionário, ou evangelizador, que realiza o ser da Igreja, é sobretudo um «êxodo interior», que nos leva ao encontro do outro que já não está simplesmente do outro lado do mar, mas ao nosso lado, nas salas das nossas catequeses… mesmo dentro de nós mesmos. E assim, surge a necessidade de repensar a catequese numa perspectiva evangelizadora, pois não pode pressupor a fé nos destinatários. Missionária, porque deve preocupar-se com o primeiro anúncio, de modo a despertar a adesão global à proposta evangélica. A começar pelos baptizados que não conhecem ou não praticam o cristianismo.
1. Um olhar sobre a catequese actual
Como ponto de partida para a nossa reflexão, lançamos um olhar sobre realidade da catequese actual, com as suas virtudes e os seus problemas, procurando perceber os principais sintomas de crise e os desafios que aí se levantam.
1.1. Virtudes e problemas na catequese actual
O Directório Geral da Catequese, faz uma breve análise da catequese contemporânea. Após o Concílio Vaticano II, a catequese viveu uma época de profunda reestruturação e são muitos os aspectos positivos que demonstram ainda a sua vitalidade: o grande número de pessoas que se consagram à catequese, o caracter missionário e catecumenal da acção catequética, o desenvolvimento da catequese dos adultos, a crescente densidade e profundidade do pensamento catequético favorecido pelas recentes orientações do Magistério. Mas, continua o Directório, «é necessário examinar com especial atenção alguns problemas». E sublinha alguns: o facto de o conceito de catequese como «escola de fé, como aprendizagem e tirocínio de toda a vida cristã» ainda não ser plenamente consciente nos catequistas; a questão da falta de uma visão global da História da Salvação, ou da carência de uma síntese cristológica completa; quanto aos conteúdos, são referidas algumas lacunas para a formação integral dos catequizandos; falta uma ligação forte à acção litúrgica e sacramental; quanto à pedagogia, «ainda não se presta a devida atenção às exigências e à originalidade da pedagogia própria da fé»; a transmissão da fé nem sempre é capaz de se tornar significativa no contexto do horizonte cultural dos povos; «a educação para a dimensão missionária ad gentes ainda se apresenta insuficiente e inadequada». Podemos, para além da análise do Directório, ter presente a realidade com que nos deparamos no concreto das nossas comunidades, e reconhecemos que «na sua forma mais massiva e tradicional, a catequese eclesial mostra sinais de uma grave crise». É verdade que em Portugal existem as mais diversificadas situações. Sem querer, por isso, generalizar, não podemos deixar de ter presentes a questão que a própria Conferência Episcopal levanta em relação à catequese actual: «Estaremos a formar discípulos de Cristo se, após dez anos de catequese, não estão esclarecidos sobre os elementos fundamentais do cristianismo, não têm contacto habitual com a fonte da vida que é a Eucaristia, não mostram prática de oração nem necessidade de escutar a Palavra da vida?» Respondendo a esta questão, em termos gerais, podemos afirmar que, de facto, o sistema tradicional da catequese não funciona, ou pelo menos não produz os frutos desejados. Mais concretamente, e seguindo de perto a reflexão de Emílio Alberich, podemos referir cinco sintomas desta «crise».
1.2. Primeiro sintoma: o processo tradicional de iniciação cristã e da socialização religiosa na família não está a resultar
Este é provavelmente o mais visível de todos os sintomas, aquele com o qual todos nos confrontamos nas nossas comunidades. Temos um percurso de dez anos de catequese de iniciação cristã, e no final de todo o percurso constata-se que, paradoxalmente, a catequese não inicia mas conclui. O terminar da caminhada catequética da infância e adolescência significa, para uma grande percentagem dos adolescentes e jovens, o fim da prática religiosa e até mesmo da vida cristã. Para muitos, o sacramento da Confirmação é o «sacramento do adeus», ou o «último dos sacramentos». Aquele que deveria ser o processo de «iniciação» tornou-se o processo de «conclusão». A este propósito, recordemos o que recentemente, na visita Ad Limina, o Papa disse aos Bispos portugueses: «à vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes “a eficácia dos percursos de iniciação actuais”». Além disso, todo o património de convicções e de atitudes religiosas deixou de passar, na família, de geração em geração. Esta perdeu muito do espaço de agente de socialização religiosa, e ganham um peso novo a cultura circundante e os meios de comunicação social. Para além das situações em que se denota um claro desinteresse por parte dos pais, também não são raros os casos em que os pais, que procuraram dar uma educação cristã aos seus filhos, se sentem impotentes diante da recusa dos filhos em continuar a participar na vida da comunidade paroquial.
1.3. Segundo sintoma: crise da pastoral sacramental
É também bem visível, na vida das comunidades, o difícil equilíbrio entre a «oferta» e a «procura». No conjunto da pastoral sacramental, a Igreja continua a ser procurada para celebrações que tantas vezes parecem não passar de ritos exteriores, sem expressão de uma fé autêntica. Batismos, casamentos, funerais, missas para os mais diversos aniversários… «Se os sacramentos cristãos são por natureza “sacramentos da fé”, os responsáveis da pastoral sabem o quanto é difícil querer oferecer sacramentos a quem pede, no fundo, um rito de passagem ou a satisfação de um imperativo social». Esta é uma realidade que tantas vezes é fonte de conflitos exteriores e interiores, pelo sentido de amargura e de frustração que traz aos responsáveis das comunidades.
1.4. Terceiro sintoma: falta uma aposta séria na catequese com adultos
A história mais recente revela, a nível dos documentos oficiais, uma opção clara pela catequese com os adultos. Recordemos a relevância da publicação do RICA em 1972, que assinala a redescoberta do catecumenato de adultos, a afirmação da Exortação Apostólica, Evangelii Nutiandi, em 1975, após o Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização, na qual o Papa Paulo VI afirma que «as condições do mundo actual tornam cada vez mais urgente o ensino catequético, sob a forma de um catecumenato, para numerosos jovens e adultos», ou a afirmação de João Paulo II na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, que a classifica como «a principal forma de catequese, porque se dirige a pessoas que têm as maiores responsabilidades e capacidades para viverem a mensagem cristã na sua forma plenamente desenvolvida». Reflexo de toda esta tomada de consciência, o Directório Geral da Catequese afirma que o catecumenato dos adultos é «modelo de toda a catequese», e que a catequese dos adultos é a «principal forma de catequese». Por isso o Directório lhe dedica um espaço privilegiado quando fala da catequese por idades, e ao falar do projecto diocesano de catequese, refere que «o princípio organizador, que deve dar coerência aos diversos processos de catequese, propostos por uma Igreja particular, é a atenção à catequese dos adultos». Também a Conferência Episcopal Portuguesa se preocupou com esta temática, tendo publicado uma Instrução Pastoral em 1994, intitulada A formação cristã de base dos adultos, e nas Orientações para a catequese actual volta a afirmar que a «catequese dos adultos é verdadeiramente a referência para toda a catequese». A insistência na urgência e no primado na catequese com adultos, e a necessidade de uma formação capaz de favorecer uma fé adulta numa Igreja adulta é, como vimos, uma das características fundamentais da reflexão catequética dos últimos decénios. Mas a realidade parece ainda muito distanciada destas «solenes proclamações». É verdade que não faltam iniciativas um pouco por toda a parte. Mas é também verdade que a maior parte dos esforços e dos recursos das paróquias continua a ser empregue na catequese da infância e adolescência. A catequese enquanto tal continua a ter um rosto e uma conotação infantil e, por vezes, infantilizante, que nos faz escutar afirmações como: «Não sei para quê tanto tempo de catequese?»; ou «O meu filho já é muito grande para andar na catequese». E neste clima é difícil propor ou encontrar acolhimento para espaços de catequese com adultos.
1.5. Quarto sintoma: ruptura entre a Fé e a vida e crise na linguagem
«A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época». Esta afirmação de Paulo VI tem sido repetida vezes sem conta para falar da tarefa específica da catequese pois, como espaço de maturação da fé, deve ser capaz de ajudar a ultrapassar este divórcio entre a fé e a vida, capaz de fazer incarnar o Evangelho na vida e na cultura. Por outro lado, esta afirmação fala-nos também do problema da linguagem na nossa catequese: «é ainda um problema não resolvido aquele da capacidade de apresentar a mensagem cristã de forma inteligível e significativa para os nossos contemporâneos». Lendo a catequese à luz de um esquema simples de comunicação, há alguma coisa que não funciona bem: se a mensagem, acreditamos, continua a ser a Boa Notícia, o Evangelho de Jesus Cristo, alguma coisa se passa neste processo, entre emissão e recepção, para que ela não apareça na sua original novidade capaz de iluminar a vida dos que a escutam. Muita catequese resulta ineficaz porque não comunica uma mensagem compreensiva e significativa para o nosso tempo, e se perde numa linguagem que não responde às interrogações reais das pessoas, naquilo que se afirma ser uma catequese que dá respostas que ninguém compreende a perguntas que nunca ninguém põe.
1.6. Quinto sintoma: insuficiente formação dos catequistas e outros agentes de pastoral
Apesar dos muitos esforços que se têm feito na área da formação dos catequistas, este é ainda um dos sintomas mais preocupantes da catequese actual.
É verdade que o número de catequistas necessários para manter os dez anos de catequese nas paróquias, é grande. O que traz o risco acrescido de não se fazer um caminho de discernimento, com os catequistas, da sua vocação específica. Muitas vezes, ao aceitarem generosamente o desafio de estarem à frente de um grupo, não têm a preparação necessária. Depois podem ou não ser desafiados a procurar formação (espiritual, bíblica e teológica, psicopedagógica, relacional, metodológica…), mas em muitas das nossas comunidades, são simplesmente «abandonados» na sua missão: falta ainda uma real preocupação em motivar e acompanhar os catequistas, mesmo em ampará-los nos seus momentos mais difíceis.
Mas o problema da formação estende-se a outros agentes pastorais. O Directório não teme em afirmar que a comunidade é a «fonte, lugar e meta da catequese», mas muitos catequistas continuam a sentir a sua missão como uma tarefa isolada do resto da comunidade. Sofre-se de um deficit de formação pastoral em geral, e catequético em particular, problema que se agrava no caso dos primeiros responsáveis das comunidades. A falta de formação catequética nos agentes de pastoral, e mesmo nos padres, não ajuda a criar um clima de diálogo e comunhão da catequese com toda a vida paroquial.
1.7. «Não está aqui»
Mais do que procurar os responsáveis desta situação, ou de apontar o dedo à sociedade envolvente e à sua falta de valores, aos pais ou famílias, aos programas escolares ou à vida frenética que hoje vivem as crianças e adolescentes, aos responsáveis das comunidades cristãs, ou mesmo aos catequistas, é importante que esta tomada de consciência de estarmos a viver um momento de crise é sobretudo um desafio que a Igreja é chamada a acolher para procurar novos caminhos para se realizar no seu ser específico.
É significativo, neste contexto, referir a mensagem que é dirigida às mulheres diante do túmulo vazio: «Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: ‘Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito’.» (Mc 16, 6-7).
É preciso ir a outro lugar, diferente deste onde nos encontramos. Sem medos. Somos convidados a «sair de nós mesmos, das nossas certezas, dos nossos hábitos, dos nossos ambientes, para nos dirigirmos à Galileia, a terra das nações, a terra dos encontros de culturas na sua diversidade. É lá que somos enviados, cheios de esperança, para nos encontrar o Ressuscitado que nos precede». Sem medo, porque o tempo de crise é sobretudo um tempo de esperança, de abertura ao futuro, na redescoberta da originalidade da missão que continua a ser a mesma que, continuando com o Evangelho de Marcos, o Senhor Ressuscitado dá aos Onze: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).
2. Opção pela evangelização
Somos portanto convidados a deixar-nos desinquietar. Ter a capacidade de não continuar simplesmente a repetir os nossos hábitos de sempre, mas a ter a coragem de nos deixarmos interrogar, quer pela originalidade sempre actual do Evangelho, quer pelo mundo em que vivemos. Só assim poderemos ser fiéis ao princípio da fidelidade a Deus e aos homens.
2.1. Para lá das tentações
É esta atitude positiva que a Igreja tem demonstrado ao afirmar a necessidade de uma “nova evangelização”, da necessidade de desenvolver uma pastoral missionária, que não se limite a conservar ou manter o que até aqui era habitual. Começa a ser comum a referência à “inculturação”, ou de uma “incarnar” o Evangelho na cultura de hoje, que fala da necessidade de desenvolver uma pastoral inspirada no mistério da incarnação. A catequese assume como missão levar a uma “personalização da fé” em vista de um compromisso cristão na Igreja e no mundo. A dimensão da “comunhão”, na comunidade alargada ou em pequenas comunidades, procura dar um rosto mais humano e humanizante à Igreja. E na comunidades é cada vez mais patente a perspectiva de “programar” ou “projectar”, para que da análise da realidade se possam definir as linhas condutoras que ajudem a alcançar o objectivo da Igreja que, ao assumir-se como serva da Humanidade, está no mundo e para o mundo, ao serviço do Reino.
Ao centro desta visão está, então, a escolha pela “evangelização”. Como ponto de partida, esta escolha afasta duas atitudes que continuam a ser uma tentação actual. Por um lado, ao optar pela evangelização, ultrapassa-se um estilo pastoral que se limite a repetir os modelos de sempre, encerrada nos seus hábitos e tradições. Por outro lado, passa-se para além de uma atitude de culpabilização e condenação deste mundo e desta cultura actual que poderiam exprimir-se quer numa postura de «cruzada» ou de contraposição, para reconquistar o espaço perdido; quer numa atitude de fuga deste mundo, que seria considerado como definitivamente perdido: a nossa segurança estaria assegurada no nosso pequeno grupo. Mas o Espírito do Pentecostes é aquele que tem a capacidade de fazer abrir portas e janelas ao mundo para aí continuar a despertar para a maravilha. Por isso, apesar destas tentações não nos serem muito estranhas, somos convidados a acolher o apelo dos nossos Bispos nas Orientações: «é preciso começar a evangelizar pelo princípio, pôr em prática uma nova evangelização». Só assim seremos fiéis ao Espírito que quer continuar a despertar, nos homens de hoje, a mesma reacção dos judeus piedosos que se juntaram «atónitos e maravilhados» (Act 2, 7) para ver o que se passavam e não podiam deixar de se perguntar: «Que significa isto?» (Act 2, 12).
2.2. Duas convicções iniciais
Lançarmo-nos na aventura da evangelização parte, então, de duas convicções profundas. A primeira é que todo o ambiente de crise que encontramos actualmente deve ser considerado sobretudo de ordem cultural. Com isto queremos salientar que o que está em crise não é propriamente o cristianismo ou a catequese em si mesma. O que está em crise é a sua actual concretização histórica. E as concretizações históricas mudam, transformam-se, evoluem. O que somos convidados a procurar é um novo modelo de ser cristão neste contexto actual, a renovar as nossas comunidades cristãs, a promover um novo e convincente projecto de Igreja, um modelo renovado de catequese capaz de se tornar significativa para os catequizandos de hoje.
A segunda convicção é que o «Deus que tanto amou o mundo» (Jo 3, 16) não deixou nunca de o amar, que continua a amar este mundo de agora, e que, aos olhos d’Ele, a nossa época não é melhor ou pior que outras, mas aquela onde vivem aqueles que Ele ama, aqueles a quem quer fazer chegar a sua mensagem «para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). É ao serviço do amor de Deus que, como catequistas, somos enviados a evangelizar.
Por isso, ao partir em missão para este mundo concreto que é o das nossas comunidades, o das crianças, adolescentes, jovens ou adultos que acompanhamos nas catequeses, é importante que o façamos numa atitude de simpatia e de abertura à cultura dos catequizandos, com coragem para propor o Evangelho mas dando espaço ao diálogo que possibilite torná-lo significativo para as suas vidas, tendo sempre como modelo a pedagogia do próprio Deus que, pela Incarnação, se torna paradigma de toda a inculturação do Evangelho no mundo, e nunca esquecendo que a messe é de Deus, e é Ele quem envia trabalhadores para a sua messe (Cf. Mt 9, 37-38).
2.3. O que é evangelizar?
Se a opção é pela evangelização, ou pela pastoral e pela catequese evangelizadora, comecemos por procurar definir o que é a evangelização.
«Evangelização» é um termo que já no Novo Testamento surge com significados algo diversos. «Por vezes indica a proclamação do “kerigma” em sentido estrito, ou seja, o anúncio público e solene da salvação de Deus oferecida a todos os homens em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Outras vezes indica toda a actividade da Igreja apostólica que, com a palavra e a vida anuncia e torna operante a salvação. Nos documentos do Vaticano II, o termo “evangelização” passa de um significado restrito, como anúncio do Evangelho aos não crentes, tendo em vista a conversão, a significados mais alargados, que identificam a evangelização com todo o conjunto da actividade profética da Igreja ou mesmo com toda a actividade eclesial enquanto actividade missionária». Este sentido mais amplo do conceito de “evangelização” é aquele que será confirmado na Exortação Apostólica Evangelii Nutiandi, no segundo capítulo, intitulado «O que é Evangelizar?», que inicia com uma definição, na qual se diz que evangelizar «é levar a Boa Nova a todas as parcelas da humanidade, em qualquer meio e latitude, e pelo seu influxo transformá-las a partir de dentro e tornar nova a própria humanidade», afirmando depois a sua complexidade: «é uma diligência complexa, em que há variados elementos: renovação da humanidade, testemunho, anúncio explícito, adesão do coração, entrada na comunidade, aceitação dos sinais e iniciativas de apostolado». É neste sentido amplo que vai ser acolhido pelo Directório Geral da Catequese quando afirma: «Anúncio, testemunho, ensinamento, sacramentos, amor ao próximo, fazer discípulos: todos estes aspectos são vias e meios para a transmissão do único Evangelho e constituem elementos da evangelização». Estamos, portanto, diante de um conceito alargado que considera a evangelização como um processo global que implica, por um lado, um anúncio propriamente dito, explícito, dando a conhecer a Boa Nova a quem a desconhece e, ao mesmo tempo, implica também uma actividade prática de transformação da realidade, a partir de dentro.
E é de salientar a dimensão do «a partir de dentro». De facto, «evangelizar é mergulhar no interior dos diferentes contextos em que vive a humanidade – nos seus diversos mundos – e, com o anúncio transformado em acção, transformar a partir de dentro esses mesmos mundos», o que faz com que os elementos fundamentais da evangelização sejam o diálogo e o anúncio. E é neste encontro feito de respeito pelo outro, pelo mundo cultural do outro, em perspectiva de diálogo aberto, e ao mesmo tempo confiante que se tem uma palavra a dizer, e uma acção transformadora capaz de trazer vida nova às pessoas e às realidades, que é possível chegar ao coração da pessoa, como ao coração de uma cultura, e aí fazer esse anúncio do Evangelho de Jesus Cristo.
2.4. O processo evangelizador
A evangelização assim compreendida remete-nos para um itinerário dinâmico, um processo com vários momentos, onde a catequese se assume como uma dessas etapas. Nas Orientações, os Bispos falam de cinco momentos: presença e acolhimento; primeiro anúncio; catequese; comunidade cristã e sacramentos; comunidade cristã e testemunho. O Directório falava de três momentos essenciais: «a acção missionária, para os não crentes e os que vivem na indiferença religiosa; a acção catequética e de iniciação, para aqueles que optam pelo Evangelho e para aqueles que necessitam de completar ou reestruturar a sua iniciação; e a acção pastoral, para os fiéis cristãos já amadurecidos, no seio da comunidade cristã». Seja qual for o esquema que adoptemos, salienta-se sempre, por um lado, que a catequese se insere dentro de um itinerário mais amplo, com o qual precisa de estar em íntima relação e, por outro lado, que a catequese não está nem no princípio nem no fim do processo global da evangelização, mas é o ponto de chegada de um momento anterior que conduz a uma nova etapa.
Esta constatação simples pode levar-nos a uma conclusão também ela simples, embora complexa na sua concretização: a tomada de consciência da necessidade de ter uma catequese evangelizadora deve alargar-se a todo o agir eclesial. Ou vice-versa: a tomada de consciência de uma renovada presença evangelizadora, por parte da Igreja, terá necessariamente consequências para a catequese. Ou seja, não é apenas a catequese que tem de se renovar, mas todo o agir eclesial que terá que ser vivido numa perspectiva evangelizadora.
A Igreja tem de projectar toda a sua pastoral nesta perspectiva evangelizadora, o que significa, em primeiro lugar, ter a capacidade de rever todo o agir eclesial, para que este não se centre apenas na edificação da Igreja em si mesma, mas a ajude a assumir a sua missão no mundo, e para o mundo, ao serviço do Reino. Significa, em segundo lugar, a superação da super-concentração do agir eclesial na dimensão celebrativa e devocional, e um consequente re-equilíbrio de todas as dimensões fundamentais da vida da Igreja: o Reino de Deus que é celebrado, deve ser também realizado pela acção missionária da Igreja no mundo, vivido no interior da própria comunidade eclesial e proclamado no anúncio da Palavra.
Em terceiro lugar, esta perspectiva evangelizadora terá que levar à promoção de verdadeiros espaços de crescimento da fé, onde uma Igreja adulta viva corresponsavelmente uma fé adulta, onde se percebe que a comunhão eclesial é também ela missão. E, por último, deverá levar a uma necessária superação de um ambiente clerical e de um forte peso institucional para centrar mais o agir eclesial na missão que é a essência da Igreja enquanto enviada ao mundo ao serviço do Reino. Não é pois apenas a catequese, mas toda a vida e todo o agir da Igreja que se encontra diante deste desafio de reviver como um novo ardor, a sua dinâmica evangelizadora. Acreditamos, no entanto, que a catequese é um instrumento privilegiado nesta renovação.
Neste contexto global, uma catequese evangelizadora, é uma catequese que não se limita a uma dimensão funcional em vista da celebração de festas e sacramentos, mas que está ao serviço da maturação da fé dos catequizandos, para eles se tornarem homens e mulheres adultos na fé, comprometidos com o que acreditam, capazes não apenas de o celebrar mas também de levar o Evangelho para a sua vida quotidiana, e de se empenharem responsavelmente na vida da Igreja. Como refere João Paulo II na Exortação A Igreja na Europa, deve «promover a passagem de uma fé apoiada na tradição social, e que tem o seu valor, a uma fé mais pessoal e adulta, esclarecida e convicta (…), cultivar, e eventualmente reintroduzir, o ministério da catequese enquanto educação e desenvolvimento da fé de cada pessoa, para que a semente, lançada pelo Espírito Santo e transmitida no Baptismo, cresça e chegue à maturação. Referida constantemente à Palavra de Deus, conservada na Sagrada Escritura, proclamada na Liturgia e interpretada pela Tradição da Igreja, uma catequese orgânica e sistemática constitui, sem sombra de dúvida, um instrumento essencial e primário de formação dos cristãos para uma fé adulta». É uma catequese que passa para além de uma visão fechada da Igreja sobre si mesma, que não tem em vista a preocupação pela manutenção ou recuperação de modelos tradicionais de uma antiga «cristandade», mas que tem a capacidade de lançar para o testemunho e serviço da Igreja no mundo. Assumindo-se como sacramento de salvação para esta humanidade de hoje. A Igreja não pode deixar de entrar na aventura da construção do Reino, e a catequese deverá ser o espaço onde os valores deste Reino se fazem ecoar para serem compreendidos e assumidos como missão.
É também uma catequese que não tem em vista a consolidação dos elementos institucionais da Igreja, mas que é espaço de crescimento na participação e na corresponsabilidade de todos os cristão na vida e na transformação da Igreja, que está, por isso, ao serviço da maturidade e da participação de todos na vida eclesial.
3. Catequese evangelizadora
A catequese evangelizadora vive-se, então, no interior de um processo de evangelização onde, na sua especificidade, acolhe os que querem fazer um percurso de iniciação ou maturação da fé para os lançar num projecto renovado de ser e de viver como Igreja. No contexto actual, a catequese não pode ser vivida como uma realidade à parte de todo o agir da Igreja, pois é na comunidade que ela tem a sua fonte, lugar e meta. No entanto, a catequese pode ser um motor de renovação da própria Igreja. Ela deverá dar um passo decisivo na linha de uma atitude missionária das comunidades onde, afirmam os Bispos nas Orientações, «é necessário encontrar caminhos novos que levem ao encontro das pessoas afastadas, ouvir as suas questões e iluminá-las com o Evangelho». Por isso se apontam três características que podem ser consideradas essenciais para que a catequese assuma esta dimensão evangelizadora: deve adoptar um caracter missionário, deve centrar-se no kerigma, deve convidar constantemente a uma atitude de conversão.
3.1. Evangelizar os baptizados
Mas antes de considerarmos mais de perto estas características, partimos de uma realidade que nos é, certamente, muito próxima: «na maior parte das paróquias a acção catequética é ainda toda ela baseada no pressuposto que as crianças que se inscrevem ou que são enviadas à catequese são já pequenos cristãos, ricos de experiência cristã e de algum modo desejosos de viver como cristãos. Mas até que ponto, hoje esta visão tradicional corresponde à realidade? Actualmente, na Europa ocidental, muitas crianças e adolescentes baptizados não receberam o primeiro anúncio cristão na família e não fizeram nunca uma séria experiência de cristianismo vivo, na participação da vida familiar com os pais». Ou seja, aquilo que está pressuposto quando se inicia um percurso catequético, na realidade não acontece. Se a catequese visa a maturação de uma fé inicial, se ela é um momento segundo na caminhada da maturação da fé, que supõe um momento primeiro, este na verdade, em muitos casos, não aconteceu ainda. É o novo desafio que, nas palavras de João Paulo II, consiste em «levar os baptizados a converterem-se a Cristo e ao seu Evangelho», e que exige da catequese a dedicação ao primeiro anúncio da fé, em vista a conversão inicial a Jesus Cristo. Muitas das crianças baptizadas que chegam às nossas catequeses devem ser reconhecidas e cuidadas, na sua caminhada, como destinatárias deste primeiro anúncio do Evangelho. Este é um passo que, no actual itinerário da catequese em Portugal, já está de alguma forma reconhecido. O novo catecismo do 1º ano, Jesus Gosta de Mim, tem a preocupação de fazer este despertar religioso e de motivar as crianças para a adesão a Jesus Cristo. De facto, uma catequese de primeiro anúncio, que não pressupõe a fé, não deve «perde-se» em aspectos doutrinais nem em instruções avançadas, mas deve centrar-se preferencialmente no kerigma, ou anúncio missionário do Evangelho, organizando-se com a preocupação de propor a pessoa de Jesus Cristo e o seu Evangelho, com uma atenção para que este encontro se realize no diálogo com a cultura circundante, e com um constante acompanhamento para que o anúncio seja interiorizado. Perspectivas que se podem reconhecer presentes neste catecismo, mas que exigem, da parte dos catequistas, das famílias e da comunidade em geral, esse esforço de acompanhamento constante em vista da interiorização da mensagem. Pois o catecismo, apesar de ser muito importante, é um texto escrito que precisa de vida, e quem lhe dá essa vida, recordam-nos as Orientações, «é a comunidade cristã e o catequista». Em todo o caso, mesmo que eventualmente este primeiro anúncio já tenha sido feito na família, e mesmo bem feito, é importante propor e repropor sempre, e explicitamente, o anúncio evangélico durante a infância e adolescência, para que cada catequizando possa fazer o seu próprio caminho de adesão a Jesus Cristo, e a sua fé possa tornar-se, gradualmente, e com a maturidade própria de cada idade, um verdadeira opção pessoal que leve a uma real conversão do coração, condições essenciais para alguém se tornar cristão. Olhando para o itinerário catequético que nos é proposto actualmente, podemos compreender que esta preocupação está de facto presente. Após a primeira etapa, os três primeiros anos, que se centra essencialmente no despertar desta opção primeira por Jesus Cristo, a segunda etapa, do quarto ao sexto ano, procura dar a possibilidade de conhecer os conteúdos essenciais da fé: Jesus Cristo, o Pai, o Espírito Santo, a Bíblia e o Credo. Nas etapas da adolescência, após a primeira adesão e o encontro com Jesus e os conteúdos essenciais da fé, os catequizandos são desafiados a uma verdadeira personalização da fé, que os leve a projectar a sua vida a partir dos valores do Reino, e finalmente a uma conversão do coração que leve ao compromisso transformador, eclesial e missionário. Um itinerário que, na sua essência, reflecte a preocupação por tornar possível uma catequese evangelizadora. Mas que, naturalmente, precisa de ser vivido por quem o faz.
3.2. Caracter missionário
Voltando a centrar-nos nas indicações das Orientações, temos então a referência a três características que a catequese deve assumir para se tornar evangelizadora. A primeira nota refere-se ao «caracter missionário, procurando assegurar a adesão à fé. Para isso precisa de ir ao encontro da vida real dos catequizandos e de ter em conta as suas questões e experiências de modo a responder-lhes». Duas indicações importantes. Em primeiro lugar a importância de ir ao encontro da vida real dos catequizandos. Podemos dizer que a catequese, e toda a educação para a fé, é convidada a realizar-se em chave hermenêutica, em que o sujeito da interpretação é também o seu objecto. A pessoa, e cada pessoa, é o ponto de partida: valorizam-se a sua experiência pessoal, as suas questões e preocupações. O que significa um necessário percurso de acompanhamento personalizado, de respeito pela pessoa e os seus ritmos próprios, um caminho em comum, feito de buscas e descobertas, de vivência e interpretação, de celebração e encontro. Ao jeito catecumenal. As consequências desta opção exigem muito das comunidades, e sobretudo dos catequistas. Cada um, na sua missão de catequista, é chamado a ser companheiro de viagem dos seus catequizandos, um irmão mais velho que, tendo feito ele próprio o seu percurso de iniciação e maturação da fé, ajuda outros a fazer o mesmo caminho.
E a opção pelo acompanhamento personalizado exige também um leque de ofertas catequéticas variadas para situações diversas. Neste particular, podemos mesmo questionar a viabilidade de um único projecto catequético a nível nacional…
Uma segunda indicação: as Orientações falam da necessidade de ir encontro das questões dos catequizandos. Podemos ir ainda mais longe, e dizer que a catequese não só deve dar resposta às questões reais dos catequizandos, o que é essencial para que ela se possa tornar significativa, mas deve ser capaz de fazer suscitar essas questões. Num ambiente de indiferença, o problema muitas vezes passa pelo facto de «as pessoas não se interrogarem, não levantarem questões sobre o sentido, por estarem plenamente satisfeitas com o cómodo ritual do bem-estar conseguido dia-a-dia. Quanto muito, as questões graves que os ocupam apenas se relacionam com a manutenção ou o aumento desse bem-estar, sem horizontes mais vastos. A incarnação do evangelho nesse horizonte cultural terá que começar pelo alargamento dos próprios horizontes, no interior dos quais o evangelho possa fazer sentido». A catequese deve ser um espaço capaz de provocar. Não estar à espera apenas das provocações para lhes responder, mas ela mesma ir na vanguarda: lançar os catequizandos num espaço de experiência diversificada capaz de os levar às questões fundamentais da vida, de os confrontar com os grandes problemas da vida humana que estão presentes no Evangelho. Num mundo onde o sentido da vida, a questão da liberdade e a responsabilidade diante dos outros, do mundo e de Deus, o problema do sofrimento e a questão da morte, parecem ser assuntos tabu ou simplesmente esquecidos, é necessário que a catequese seja capaz de fazer levantar essas questões para que o Evangelho de Jesus Cristo possa surgir como a Boa Nova de um Deus que nos quer para a abundância da vida, na ressurreição.
3.3. Centrar-se no kerigma
A segunda característica de uma catequese evangelizadora, no esquema sugerido pelas Orientações, fala da necessidade de uma catequese centrada no kerigma, centrada «na pessoa de Jesus Cristo e no Seu mistério de salvação. Jesus Cristo deve ser apresentado como Boa Nova, fonte de esperança e de sentido para a vida humana e para as questões das pessoas e da sociedade». A catequese está ao serviço da Palavra, anuncia o Evangelho cristão que no seu núcleo essencial é um acontecimento de salvação, a intervenção de Deus na morte e ressurreição de Jesus Cristo, como diz São Paulo ao escrever aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze» (1 Cor 15, 3-5).
A finalidade última da catequese, recorda-nos o Directório, citando João Paulo II, «é pôr as pessoas não apenas em contacto, mas em comunhão, em intimidade, com Jesus Cristo». Deste modo, para além de suscitar a questão, a catequese deve levar os catequizandos a confrontarem-se com esta fonte de esperança que é o acontecimento Jesus Cristo, e a aceitar o desafio de, na comunhão com Ele, entrar na vida trinitária. É o conteúdo da mensagem que nos desafio à fé. «Proclamar que alguém venceu a morte responde ao desejo mais forte, à ânsia mais profunda do ser humano. Faz parte da nossa natureza. Que procuramos nós em tudo o que pensamos, projectamos e realizamos, desde o primeiro momento da nossa existência, senão viver? (…) O que todos querem é que a vida nunca acabe». O encontro com Jesus Cristo é, por isso, o encontro com a fonte da vida, e nele está na origem da fé: «confiamo-nos totalmente Àquele que antes se deu todo por nós. Entregamo-nos a Ele porque Ele se entregou por nós. É do seu amor que nasce e vive o nosso amor. Tal é o seu poder vivificante, salvífico». O desafio para a catequese é o de fazer com que o Evangelho possa recuperar a sua força de novidade, a sua capacidade provocadora a partir deste acontecimento de salvação. Um desafio nada simples num ambiente em que o hábito tirou a força à Palavra. Por isso é necessário que a catequese adquira uma linguagem que fale não apenas à razão, mas à totalidade da pessoa. Uma linguagem capaz de conduzir a uma verdadeira experiência de encontro com Cristo, onde a catequese assume uma espécie de função de «laboratório da fé»: lugar onde é possível experimentar a fé em todas as sua dimensões de compreensão, vivência em comunhão, testemunho, oração e celebração, partilha, serviço…
Uma proposta deste género exige, naturalmente, que aqueles que são os mensageiros do evangelho, os catequistas, anunciem e façam experimentar aquilo que vivem e experimentam na primeira pessoa, que ao narrarem a História da Salvação, se sintam também eles participantes desta salvação que Deus realiza, e ajudem aqueles que lhes são confiados a fazerem também sua, na primeira pessoa, a mesma História. Uma catequese kerigmatica «tem de ser feita por catequistas que vivem o que transmitem e enquanto o transmitem: especialmente no modo empenhado com que se preparam pelo estudo e oração; no acolhimento delicado e afável prestado aos catequizandos; na convicção com que falam e rezam; na persistência com que vencem os obstáculos, fazendo de fracassos, incompreensões e provações ocasiões para fortalecer a sua fé e esperança…».
3.4. Convite à conversão
A terceira característica sugerida pelas Orientações, diz que a catequese é evangelizadora quando «convidar constantemente a uma atitude de conversão ao Senhor em ordem ao crescimento na santidade e ao compromisso com o testemunho do Evangelho no mundo». É, no fundo, o concluir do ciclo hermenêutico: parte-se da vida dos catequizandos, confronta-se depois com o Evangelho, e volta-se à vida concreta que deve sair renovada a partir do encontro. Se quisermos, seguindo o esquema habitual das nossas catequeses, partimos da experiência humana, ilumina-se com a Palavra, e exprimimos a nossa fé para voltar à vida com um compromisso concreto de renovação.
Todos os momentos deste percurso são importantes, e cada um deve ser preparado e vivido cuidadosamente. Sem os momentos anteriores, a catequese não conseguirá nunca ser fonte de conversão e de santidade, não poderá ajudar a colmatar um dos grandes problemas da actualidade que é a separação que existe entre a fé e a vida, não poderá desafiar a vida a partir de dentro, não terá a capacidade de iluminar novos caminhos de sentido a partir de um verdadeiro encontro com Cristo.
Esta é, se quisermos, a característica que nos poderá ajudar a fazer a avaliação da nossa catequese, para compreendermos se a vivemos na sua integralidade ou se a fragilizamos em alguns aspectos. Pois a «consequência lógica» da catequese, a lógica que preside aos nossos catecismos, é que no final de cada catequese cada catequizando deverá estar apto a assumir de um estilo de vida mais evangélico.
É claro que na educação para a fé temos de compreender que o caminho é sempre o de cada um, na sua liberdade, com o seu ritmo de amadurecimento próprio, com o seu historial de relação com Deus, o que não nos permite ser demasiado «matemáticos» na avaliação do crescimento na fé… Mas partilhamos da convicção de que é possível uma educação para a fé, não no sentido de poder ter uma acção educativa na iniciativa divina (pois a fé é sempre fruto de um dom gratuito da parte de Deus), mas na criação das condições necessárias para, da parte da pessoa, e respeitando a sua liberdade de resposta à proposta de Deus, encontrar a ajuda para poder desenvolver aquelas atitudes de interiorização da fé e conversão interior, bem como um espaço concreto para fazer uma experiência significativa de vivência, pessoal e comunitária, dos elementos essenciais em que se expressa a fé cristã. Uma catequese é evangelizadora não só quando é capaz de meter os catequizandos em questão, mas também quando ela própria é capaz de se meter sempre em questão. E neste ponto concreto, é importante que a catequese seja capaz de fazer avaliação: avaliação prévia, que olha para a realidade dos catequizandos e sabe definir (ou redefinir) os seus objectivos tendo em conta a realidade e projectando em vista da finalidade a que se propõe; avaliação durante, para perceber se estão a ser alcançados os objectivos; avaliação depois, procurando perceber se foram ou não atingidos os objectivos, e o porquê. Uma avaliação que é também auto-avaliação, da parte dos catequizandos e da parte dos catequistas.
4. Duas opções metodológicas de fundo
Uma catequese evangelizadora é, portanto, uma catequese que não supõe a fé dos catequizandos, mas é capaz de fazer o primeiro anúncio, que faz um caminho de acompanhamento pessoal a cada um, partindo da sua vida, tornando-se um espaço significativo, capaz de fazer experimentar a fé, convidando ao encontro pessoal com Cristo, donde surge o desafio constante a um estilo de vida iluminado pelo Evangelho.
Adoptando duas imagens dos bispos do Quebeque, pode compreender-se a catequese evangelizadora numa perspectiva metodológica que procura pôr em acto uma linha de actuação que vá de encontro à sensibilidade projectual actual centrada no sujeito e acompanhando-o no seu percurso, portanto numa linha educativa que adopta como princípio inspirador o critério da incarnação.
4.1. «Do rio à fonte»
A primeira imagem, «do rio à fonte», fala da necessidade de reconhecer que, no novo ambiente cultural, onde já não se dá esse progressivo herdar de afluentes que poderiam aumentar o caudal da fé ao longo do percurso da vida, uma vez que a família, a escola, a paróquia, a sociedade em geral não representam mais essa função, «é importante voltar aonde a fé tem a sua fonte. Isto é, ao centro da experiência das pessoas. A fonte encontra-se nas pessoas, nos momentos essenciais das suas vidas, nas experiências de base através das quais se manifestam os primeiros frémitos, as primeiras vozes da fé. Esta fonte é o ponto de cada itinerário». Voltar à fonte «é sobretudo procurar revelar a experiência espiritual que nasce da vida, que surpreende, que faz intuir o essencial, que faz renascer, que mete em caminho, que faz viver». E a catequese deve oferecer este espaço enquanto procura estar atenta ao que cada um vai sentindo e vivendo, partindo da sua experiência, oferecendo um contributo para encontrar na fonte aquilo que, tantas vezes, já não é oferecido pelo contexto mais amplo.
4.2. «Dos cursos aos percursos»
A segunda imagem, «dos cursos aos percursos», sugere que, de um programa estabelecido de lições sobre a doutrina, é importante passar a uma aprendizagem, «uma experiência vivida que tem ressonâncias em todo o ser, a todos os níveis, físico, intelectual, afectivo, espiritual». Um caminho que se faz em companhia de outros que podem ajudar nessa descoberta progressiva do nome de Jesus e que o apresentam no concreto das suas vidas. E é aqui que se cruza o papel do catequista, da relação da criança ou do jovem com os adultos. Se a catequese oferece o espaço para uma relação que se torna significativa, porque ajuda a fazer esse caminho pessoal de crescimento a todos os níveis, onde a fé assume um lugar de unificação e clarificação de todo o ser, é também importante que os adultos assumam o seu papel de acompanhantes do desenvolvimento pessoal de cada catequizando.
No actual contexto social, é cada vez mais evidente que, perante uma pluralidade de propostas e de possibilidades de escolha, «o individuo moderno se encontra diante não já da oportunidade, mas mesmo da necessidade, de realizar escolhas no que diz respeito às próprias crenças». Por isso, também no campo da fé, a escolha, como direito e como dever, é um espaço para o reencontrar da própria responsabilidade, e deixa de ser apenas uma pertença institucional. Todo o contexto nos centra na própria pessoa, que é sujeito de escolhas e da maturação das opções efectuadas. Deste modo, a catequese deve desempenhar a sua função de espaço onde, pelo ecoar da Palavra, se matura a opção feita e se cresce na compreensão da experiência cristã como um caminho de aperfeiçoamento integral continuado e nunca concluído, um caminho rumo à santidade, de conversão permanente, onde cada um é chamado, em primeira pessoa, a fazer um percurso pessoal da maturação que envolve o seu conhecimento, a prática na sua vida, todo o seu ser. Um caminho que é constituído, então, pela aquisição de conhecimentos, mas fundamentalmente por atitudes de vida que marcam este progressivo encontro pessoal com o próprio Deus, capaz de reestruturar, de unificar e dar um novo sentido a todo o contexto existencial, sempre centrado no próprio sujeito e no seu progresso pessoal.
5. Ao jeito de conclusão
Ao jeito de conclusão, fica uma pequena história que nos pode servir de inspiração quando pensamos numa catequese evangelizadora. Uma história de um missionário que vinha de África. «Uma noite, um velho perguntou-lhe por que razão os apóstolos tinham sido pescadores e não camponeses. Ele, apanhado de surpresa, não encontrara uma resposta satisfatória. De facto, Jesus fala também de sementes lançadas à terra, de searas a ceifar, de vinha do Senhor. Porquê, então, quando quis confiar-lhes o mandato missionário, se dirigiu a pescadores, recorrendo a uma metáfora retirada de sua profissão – “Far-vos-ei pescadores de homens” (Mc 1, 16) – e não do mundo da terra e dos camponeses? O velho, então, disse-lhe: “Eu pensei nisso e creio que encontrei uma resposta. Talvez porque os camponeses plantam, cultivam e recolhem sempre no mesmo lugar, enquanto um pescador deve deslocar-se sempre para seguir os peixes aonde quer que vão”». Mesmo que se possa duvidar dos estudos exegéticos do velho da história, a sua intuição não pode deixar de nos fazer pensar na catequese actual, no nosso actual contexto missionário numa cultura pós-cristã.
«É preciso fazer alguma coisa». Talvez esteja aqui a chave de uma renovação da catequese. De facto, também ela deve ser capaz de abandonar a terra firme e de se lançar sem medo ao largo, na aventura de cruzar as rotas dos homens de hoje com o sonho sempre antigo e sempre novo de Deus.
Pe. José Henrique Domingues Pedrosa
(Leiria, 21 de Novembro de 2007)