Fr. Moacir Casagrande OFMcap.
Iniciamos nosso texto com a palavra do papa Bento XVI “O Sínodo convidou a um esforço pastoral particular para que a Palavra de Deus apareça em lugar central na vida da Igreja, recomendando que se incremente a pastoral bíblica, não em justaposição com outras formas da pastoral, mas como animação bíblica da pastoral inteira”1. Cremos que o enfoque proposto possa fazer toda a diferença, mas para chegar a isso vários desafios precisam ser superados. Desafios que elencamos tecendo algumas considerações.
a) Tomar a peito o encontro pessoal com Jesus Cristo que Se comunica a nós na sua Palavra. Ao entrar nesse campo é importante tomar consciência que não se está apenas executando uma tarefa, mas operando um processo de conversão. A tarefa é um serviço que se presta a alguém tendo o foco apenas no serviço. A evangelização foca o processo de aproximação e convergência entre a pessoa e Deus favorecendo uma relação vivificante.
b) Cuidar para que a leitura da Sagrada Escritura seja bem feita. Isso também para que o povo não fique à mercê de qualquer leitura. Existem vários métodos de leitura (abordagem) da Bíblia, mas entre nós ainda prevalecem o fundamentalismo e o achismo. É importante envidar esforços para sair dessa situação. O método de Leitura Orante tem se revelado importante e ajudado comunidades a fazer bons passos, mesmo com as críticas levantadas. O desafio está em aprimorá‐lo e aplicá‐lo, focando o crescimento espiritual e o compromisso comunitário.
c) Adequada preparação de sacerdotes e leigos para instruir o povo. Isso pode ser dado nos Institutos de Teologia, mas é necessário também que seja feito com as lideranças nas paróquias e nos muitos cursinhos de estudos bíblicos que acontecem por aí. A adequada preparação exige mais do que a administração de conteúdo, exige que se dedique tempo ao exercício da relação, da prática do conteúdo, no dia a dia da pessoa em seu ambiente existencial.
d) Favorecer a difusão de pequenas comunidades nas quais se dá a formação, a oração e o conhecimento da Bíblia segundo a fé da Igreja. Esse trabalho não é novo no Brasil. Os círculos bíblicos surgidos na década de setenta já demonstraram inúmeros benefícios como: formação de lideranças, fortalecimento da fé e surgimentos de comunidades consistentes no compromisso social e missionário. Nesse sentido eu mesmo tenho a experiência de iniciar várias comunidades partindo do estudo e oração bíblicos, comunidades cujas lideranças adquiriram solidez na Palavra e confiança para agir com Cristo em favor dos irmãos. Lideranças que tiveram argumentos para dar razões e fundamentar sua fé diante do avanço do trabalho dos evangélicos. Comunidades que aprenderam e praticaram o sentido da comunhão e participação. Nelas tem acontecido uma estreita relação entre o hoje e o ontem do chão da Palavra de Deus onde o ontem inspira o hoje e ajuda fazer o amanhã.
Tratando da ação evangelizadora quero elencar testemunhos. Quando fiz a catequese para a primeira Eucaristia em 1960. A prática era decorar perguntas e respostas prontas. Gravei‐as de tal maneira que ainda hoje permanecem vivas na memória. Uma das perguntas era esta: De que Deus fez o mundo?
A resposta certa então era: Deus fez o mundo do nada. Fui examinado pelo pároco, respondi como estava no catecismo e declarado pronto para a Primeira Eucaristia. Mais tarde, quando pude ter acesso a uma Bíblia, lendo‐a, fui amontoando interrogações, percebendo que a formação da catequese nem sempre correspondia ao que lia na Bíblia. Ao entrar na teologia descobri que aquela questão nada tinha a ver com a Sagrada Escritura, mas com uma filosofia de interpretação da mesma. Na verdade em Genesis 1,3 se diz “E Deus disse: faça‐se luz e a luz foi feita”. O texto narra Deus dizendo e as coisas aparecendo. Isso significa que Deus criou o mundo pela sua Palavra e não do nada, como o catecismo ensinava. O evangelista João confirma isso em 1,1‐3 “No principio era a Palavra e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus....
Tudo foi feito por meio dela a sem ela nada foi feito”. Porque isso aconteceu? Pela falta de fundamentação bíblica adequada na catequese o que gerou um vazio na formação cristã.
Certa vez trabalhei uma semana sobre Atos dos Apóstolos. Uma senhora acompanhava tudo sempre calada. No último dia pedi uma avaliação deles sobre o estudo. Essa senhora disse: “Este estudo foi muito importante porque eu descobri que ainda tenho jeito. Se Paulo e Barnabé brigaram no zelo pela Igreja a ponto de se separarem e os dois são santos, eu ainda tenho jeito.”
1 Exortação Apostólica VERBUM DOMINI, Bento XVI, Roma, 30 de setembro de 2010, numero 73.