Deus permite que o demônio tente o homem, isto é, sugira-lhe más ações, para
que por meio destas tentações, o homem se torne ainda mais puro e fortalecido
na virtude. Sabemos que é pela luta, pela experiência, que cresce em nós a
fortaleza e também a santidade. Então, Deus sabe usar até mesmo das más ações
do demônio em nosso benefício. Enfrentando as tentações com a graça de Deus,
podemos nos tornar melhores. Certa vez, o Papa Paulo VI disse essas palavras:
`É claro que o pecado é um produto da liberdade do homem. Porém, no profundo
dessa realidade humana, existem fatores em ação, que a colocam para além do
meramente humano, na área limite onde a consciência do homem, a sua vontade e a
sua sensibilidade estão em contato com as forças das trevas. Elas, de acordo
com São Paulo, estão ativas no mundo quase a ponto de dominá-lo (Rm 7,7-25; Ef
2,2; 6,12)` (Papa João Paulo II, Exortação Apostólica à Reconciliação e à
Penitência, julho 1993). Deus, na sua sabedoria, permitiu que Adão e Eva fossem
tentados no Paraíso (Gen 3, 1-5); mas por causa desta queda terrível, que Santo
Agostinho chama de `feliz culpa`, tivemos a honra de receber um tão grande
Salvador; o próprio Deus se encarnou para nos resgatar; fez´se nosso Irmão,
tornou´nos filhos de Deus. Deus permitiu que Satanás tentasse a São Pedro (que
acabou negando Jesus por três vezes) (Lc 22, 31); e Jesus chegou a dizer a
Pedro que `orou por ele`. Mas certamente esta tentação e esta queda tão dura de
Pedro, fizeram´no mais humilde e mais preparado para ocupar o lugar de primeiro
Papa. Não nos esqueçamos que Pedro era um tanto arrogante: `Simão, Simão, eis
que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti,
para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus
irmãos.` (Lc 22, 31) Mas a resposta de Pedro, diante da situação perigosa
daquela tentação que o Senhor lhe avisava, mantém´se presunçoso: `Pedro
disse-lhe: Senhor, estou pronto para ir contigo tanto para a prisão como para a
morte`. Jesus respondeu-lhe: `Digo-te Pedro, não cantará hoje o galo, até que
três vezes haja negado que me conheces`. (Lc 22, 34) Vejo aí, nitidamente, que
Pedro precisava de uma lição de humilhação para se tornar humilde, e preparado
para ser o primeiro Vigário de Cristo na terra. Me parece que o Senhor permitiu
que Satanás o tentasse até o ponto de faze-lo negar Jesus por três vezes. Mas,
certamente Pedro se tornou muito humilde depois de derramar aquelas copiosas
lágrimas de arrependimento, por não ter ouvido a Jesus que lhe avisava da
tentação iminente. Deus sabe tirar o bem de todas as circunstâncias; Santo
Agostinho nos garante que se Ele não fosse capaz de tirar um bem, mesmo do mal,
Ele não permitiria que o mal existisse. Embora o Batismo elimine o pecado
original, as suas seqüelas continuam em nós: os sofrimentos, a doença, a morte,
a propensão ao pecado (concupiscência `fomes peccati`). O Concílio de Trento, o
mais longo da história da Igreja (1545-1563), ensina-nos que: `Deixada para os
nossos combates, a concupiscência não é capaz de prejudicar aqueles que, não
consentindo nela, resistem com coragem pela graça de Cristo.` Mais ainda:
`aquele que tiver combatido segundo as regras será coroado (2Tm 2,5)` (CIC §
405,1264). Santo Agostinho entendia que a permanência, da concupiscência em
nós, mesmo após o Batismo, é uma oportunidade que temos de provar a Deus o
nosso amor, lutando contra o pecado, por amor ao Senhor. Ele dizia que aquele
que deixa o pecado por medo do castigo, e não por amor a Deus, acaba voltando a
ele. É sobretudo, no rompimento radical com o pecado que damos a Deus a prova
real do nosso amor filial. São Paulo nos lembra também que Deus não nos
abandona na hora da tentação: `Deus é fiel; não permitirá que sejais tentados
acima das vossas forças, mas, com a tentação, ele vos dará os meios de sair
dela e a força para suportar`. (1 Cor 10,13) E também é preciso dizer que nem
toda tentação vem do demônio ´ talvez ele aproveite também delas ´ mas podem
vir da nossa própria concupiscência, como ensina São Tiago: `Ninguém quando for
tentado diga: `é Deus que me tenta. Deus é inacessível ao mal e não tenta a
ninguém. Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e
alicia. A concupiscência, depois de conceber, dá à luz o pecado; e o pecado,
uma vez consumado, gera a morte.` (Tg 1, 13-15) Mesmo das más ações de Satanás,
Deus é capaz de tirar coisas proveitosas para a nossa vida. É claro que isto
não quer dizer que não devemos nos precaver contra a sua maldade. Jesus nos
ensinou a rezar no Pai-nosso: `Livrai-nos do Mal`. Esse Mal, com M maiúsculo,
disse o Papa Paulo VI, é o demônio, é um ser vivo, terrível e maldoso, dos
quais nós precisamos defender com os auxílios da graça de Deus. (cf. Alocução
`Livrai-nos do Mal, 1972) É fundamental, portanto, suplicar a proteção de Deus
contra as insídias, as tentações e as maldades do demônio; mas não podemos
achar que ele possa superar a ação ou o poder de Deus. Eu gosto muito daquela
oração que a Liturgia faz o sacerdote rezar depois da oração do Pai-nosso, na
Missa: `Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a Vossa paz;
ajudados pela vossa misericórdia estejamos sempre livres do pecado e protegidos
de todos os perigos, enquanto vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo
salvador. ` Também é de se recomendar a repetição fervorosa da mais antiga
oração que a Igreja conhece, dirigida a Nossa Senhora, para pedir-lhe a
proteção. Esta oração foi encontrada num fragmento de um pergaminho, no Egito,
no começo deste século, e contém uma oração que os fiéis já faziam a Nossa
Senhora, por volta do ano 230, isto é, em plena perseguição romana, no norte da
África: `Debaixo da Vossa proteção nos refugiamos ó santa Mãe de Deus, não
desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai´nos sempre de
todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita.` Assim, os nossos primeiros irmãos
mártires já se recomendavam aos cuidados maternos de Nossa Senhora. Portanto,
não devemos ter medo do demônio; o medo é prejudicial em qualquer caso. É
necessário estar em Deus e com Deus, e não temê-lo. Santa Teresinha dizia que
sabia que o demônio era mais forte do que ela, então ela lhe virava as costas e
se abrigava nos braços de Deus, contra quem ele nada pode. É muito mais seguro
assim. `Se Deus está conosco, quem será contra nós?... Quem nos separará do
amor de Cristo?` (Rom 8, 31.35).
Felipe Aquino