Dom Orani João Tempesta
- SEGUNDA, 09 MARÇO 2015 13:30
- CNBB
Cardeal Orani João TempestaArcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Na mensagem mundial para a Quaresma deste ano, publicada no dia 17 de fevereiro, o Santo Padre Papa Francisco desafiou as comunidades católicas a uma “renovação” que supere os riscos da indiferença face aos outros. Ele pediu que as nossas paróquias fossem “ilhas de misericórdia” num mar de indiferença.
A Quaresma, um tempo de preparação especial, habitualmente um período reservado para a reflexão e conversão espiritual. Os 40 dias que nos preparam para a maior festa dos cristãos – a Páscoa – lembram os 40 anos de deserto do povo de Israel em busca da libertação e os 40 dias de jejum de Jesus, a inspiração para este tempo especial de reflexão e penitência, que culmina no Tríduo Pascal. Encontramos o simbolismo do numero “40” em muitos outros episódios da Sagrada Escritura.
Este tempo convida-nos a “entrar no deserto” para que, no encontro com Deus, superarmos as tentações da vida e caminharmos na dependência só do Senhor. Na mensagem do Papa para a abertura da Campanha da Fraternidade deste ano, ele faz uma pergunta sobre o que fazer para que possamos, como Igreja, fazer a experiência de sentir “as alegrias e tristezas” do mundo de hoje e sermos sinais de esperança.
Na Quarta-feira de Cinzas, abrindo a Quaresma, fomos convidados a dar mais tempo para a oração. E essa é a tônica também do Papa em sua mensagem quaresmal: “Em primeiro lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13 e 14 de março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração”.
Somos chamados a reavivar a nossa vida batismal na caminhada quaresmal e chegarmos renovados para fazer solenemente, na Vigília Pascal, a renovação das promessas do Batismo.
Ao falar em oração e tempo quaresmal, o Papa convidou, como vimos em sua mensagem, todas as dioceses do mundo a promover a iniciativa “24 horas para o Senhor”, que este ano decorre entre os dias 13 e 14 de março, para “dar expressão a esta necessidade da oração”. Em nossa Arquidiocese, além dos mutirões de confissões que já acontecem na quaresma e tempos de oração como a via sacra e reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade durante a Quaresma, novas iniciativas devem ocorrer em cada paróquia. Além disso, em cada vicariato episcopal, nessa experiência das “24 horas para o Senhor” ao menos uma igreja ficará aberta 24 horas (das 17 horas de sexta feira às 17 horas de sábado) para a oração, celebração penitencial, reflexão, aconselhamento. Também em cada um dos oito vicariatos, alguns locais públicos e de grande afluxo de povo receberão a oportunidade de oração e confissão, procurando atingir aqueles que normalmente não participam de nossas comunidades. Essas igrejas e locais são divulgadas pelos vicariatos. Assim, estamos convidando a todos para essa grande experiência de conversão quaresmal e experiência da misericórdia. Ao mesmo tempo em que é um momento especial para as pessoas, deve ser um despertar missionário.
O Papa Francisco propõe a “misericórdia” como antídoto para o que chama de “globalização da indiferença”, o que exige “um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se deixa fechar em si mesmo”. “Dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo mesmo pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais, com as nossas simples forças, alcançar: rezamos com eles e por eles a Deus, para que todos nos abramos à sua obra de salvação”.
O Papa sublinha que a Igreja tem de “ultrapassar as fronteiras” ao encontro do próximo, para “superar tantas formas de indiferença e dureza de coração”. Esse tempo de oração e celebração penitencial antecede o domingo da alegria (laetare), o Quarto Domingo da Quaresma, como sinal de que a nossa alegria vem de um coração reconciliado e orante. A nossa renovação interior vai também nos enviar para a missão de paz e esperança.
Sabemos que o motivo primordial da missão é e sempre será o mandato missionário que Jesus Cristo deu aos apóstolos e aos discípulos no termo de sua existência terrena. É um ato de obediência fundamental que a Igreja deve prestar, até o fim da história, à vontade de seu autor. Por isso, a Igreja procurou sempre tomar consciência de sua natureza evangelizadora.
A evangelização exprime a identidade, a vocação própria da Igreja, sua missão essencial: "Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, sua mais profunda identidade." (Paulo VI "Evangelii Nuntiandi", 14). Quando falamos da atividade missionária da comunidade eclesial, precisamos passar da missão à missionariedade, do objeto (o que fazer) ao sujeito (quem vai fazer) do mandato missionário. E, sem dúvida, que nós todos somos chamados a viver essa vida de conversão e oração, que nos renova interiormente, para a grande missão evangelizadora em nossa sociedade tão carente e violenta.
Por isso, não é suficiente apenas perceber a necessidade da missão, mas é fundamental tomar consciência de que toda a Igreja, e nela cada batizado ou batizada, é o sujeito da missão. Fica, pois, muito claro que toda a Igreja é por sua natureza missionária. Os cristãos não podem permanecer passivos, reduzindo, muitas vezes, sua pertença eclesial somente a momentos rituais. É preciso colocar toda a Igreja em "estado permanente de missão". A Igreja é toda missionária em seus membros que agem de diversos modos, de acordo com a multiplicidade e a variedade dos carismas e dons. É em cada um de seus membros que a comunidade cristã coloca-se a serviço da evangelização e é enviada para pregar o Evangelho a toda criatura.
A grande missão da Igreja concretiza-se na preocupação com a criatura humana em sua totalidade. Não é preocupação com uma salvação abstraída, mas compromisso de fé com o ser humano, com seu crescimento no seguimento de Jesus e com sua plena realização em todos os sentidos, porque entre evangelização e promoção humana “existem de fato laços profundos”. Em outras palavras, a Igreja deve permanecer sempre a serviço da pessoa humana, colaborando concretamente para a libertação da humanidade. O compromisso com a justiça é parte indispensável do processo de evangelização. Aí sentimos o eco do lema da CF deste ano: “Eu vim para servir”.
Que a celebração quaresmal, com todas as atitudes a ela ligadas, nos ajude a viver ainda mais nossa identidade católica nestes tempos difíceis e complexos, semeando a alegria de uma grande e alegre notícia que somos enviados a proclamar em nossa sociedade: Cristo vive, está entre nós e nos salva!