No livro de São Marcos 9,30-37, o evangelista conta que Jesus percebeu uma conversa estranha entre os seus discípulos, e perguntou a eles o que estavam conversando pelo caminho. Na verdade estavam discutindo quem seria o primeiro no Reino de Jesus.
Certamente todos os Apóstolos tinham a mesma concepção dos judeus, de que o Messias viria para implantar um Reino social, político e econômico, restabelecendo o reino de Israel, reduzindo sob o seu jugo todas as nações e reinaria no meio de muita glória.
Incrível, os profetas já tinham anunciado com detalhes como seria o Reino a ser implantado pelo Messias, um reino espiritual, mas os judeus, subjugados pelos romanos, não aceitaram. Os profetas descreveram minuciosamente os padecimentos que o Messias sofreria, mas o povo repeliu a ideia de um Messias humilhado e sofredor. Conceberam o ideal de um Messias poderoso. E os Apóstolos também pensavam assim; por isso estavam disputando quem seria o primeiro. Será Pedro, será Tiago, será João?…
É neste ambiente saturado de ideias falsas sobre o Messias que Jesus teria de mostrar que é a humildade e a obediência a Seu Pai que iria trazer a Redenção à humanidade.
“Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”
Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”. (Mc 9,35-37)
Jesus ensina aos Apóstolos o que exatamente eles teriam que fazer para segui-Lo, e como. Ele vai dizer mais tarde a Pilatos: “Meu reino não é deste mundo!”. Como foi difícil para Jesus mudar essa mentalidade errada dos Apóstolos sobre Ele e seu messianismo.
Então Jesus usa dois conceitos básicos: 1 – reinar é servir; 2 – acolher os pequenos como se acolhe uma criança, que é totalmente indefesa.
Ele ensina que o cristão é aquele que serve; e em seguida, dá o exemplo do acolhimento das crianças. Para acolher nossos irmãos como fazemos com as crianças para que gostem de estar conosco. Isso é servir. Para educar as crianças é preciso antes de tudo conquistar a sua amizade, a sua confiança, o seu amor; só depois podemos dar-lhes conselhos, falar de Deus, etc. Jesus está mostrando aos Apóstolos que Seu Reino, que o Pai o incumbiu de implantar no mundo, não será pela glória mundana, pela ostentação, e pelo domínio dos outros. Não, mas pelo amor, pela via do acolhimento do pequeno e daquele que vive, como disse o Papa Francisco, na “periferia da fé”.
Jesus começa a mostrar aos discípulos que a missão deles será a de pensar no bem do outro; assim é que deverão fazer quando evangelizar. Por isso, deixou esse exemplo das crianças logo depois que ensinou que ser cristão é servir em primeiro lugar!
Foi difícil para Jesus colocar na cabeça dos Apóstolos que a salvação do mundo seria pela humildade e pela obediência incondicional ao Pai, sem questionar a Sua santa vontade, mas realizá-la plenamente, até o fim, ainda que tenha de beber o cálice da paixão. O Seu Reino é espiritual. Ele quer estabelecer o Seu Reino nas almas; quer libertar o seu povo não do jugo dos romanos, mas da tirania do pecado e do demônio; e por isso vai ser imolado.
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Foi difícil Ele ensinar aos Apóstolos que Ele veio conquistar vitórias, não esmagando os inimigos, mas morrendo por eles; e abençoando-os até na Cruz. Não é sem razão que João Batista dizia: “Está no meio de vós Alguém que não conheceis” (João 1,26).
Com esta mentalidade errada, o povo quis faze-lo rei por três vezes, mas Ele não permitiu. Quando Ele disse aos discípulos que “o Filho do homem será flagelado, entregue aos gentios e crucificado” (Mt 20,18-19), Pedro o repreendeu e precisou ser corrigido duramente pelo Mestre.
E como se ainda não bastasse tudo o que Jesus havia ensinado aos discípulos, no momento da Ascensão ao Céu, ainda perguntaram: “Será agora, Senhor, que estabelecereis o reino de Israel?” (At 1,6). Jesus já tinha lhes dito: “Aquele que não toma a sua cruz, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). Mas os discípulos não queriam ouvir falar de cruz, como hoje também o povo não quer ouvir falar disso. É muito melhor estar no monte Tabor do que no monte do Calvário.
É impressionante o caminho de humildade que Jesus seguiu, na verdade o caminho oposto ao de Adão. Foi o desígnio do Pai para que o mundo fosse salvo: anular o erro de Adão, da soberba e desobediência a Deus. Por isso Jesus toma as crianças no colo e as abençoa, pois vê em seus olhos pureza, candura, simplicidade e nenhuma arrogância. Ele vê nas almas puras das crianças a figura do Pai celeste.
Jesus cura os doentes, busca os infelizes pecadores, comove-se diante do desespero de Jairo, da viúva de Naim, da mulher adúltera a ser apedrejada, da hemorroisa que não tinha mais cura na medicina… Ele é o bom Pastor que vai atrás da ovelha perdida. É o bom samaritano; salva Zaqueu, Madalena e perdoou os que o crucificavam. Não ofendeu e não xingou nem mesmo aqueles que zombavam Dele na Cruz: “Se tu és o Filho de Deus, então, desce da cruz” (Mt 27,40). Como um cordeiro inocente e sem mancha deixou-se imolar para nos poupar, e também a seus algozes, das torturas do inferno.
Ele nos salvou pela humildade e pela obediência irrestrita a Seu Pai. Não foi pelos milagres e nem somente pelas palavras. “A minha vontade é fazer a vontade do Pai”; era o seu lema, a sua vida, o seu alimento diário. Ele sabia que a Redenção da humanidade dependia disso, sua obediência e submissão ao Pai. A graça de nossa salvação não poderia ser, nos desígnios de Deus, merecida e alcançada senão pela sua absoluta dependência à vontade do Pai.
Não foi fácil ensinar isso aos Apóstolos, por isso Ele chamou as crianças e colocou-as como o exemplo a ser imitado. A criança segura na mão do pai e vai com ele para onde o pai quiser, não questiona para onde o pai a leva. É como disse Santa Edith Stein, judia convertida e que morreu no campo de concentração de Hitler: “Não sei para onde Deus me leva, mas basta-me saber que é Ele quem me leva”.
Prof. Felipe Aquino
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