Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
O lema do Congresso Eucarístico em Belém nos fala que “Eles o reconheceram ao partir do Pão”. A passagem Bíblica que nos mostra a ação dos discípulos de Emáus, apresenta-nos com o seu movimento, ou seja, do espanto dos discípulos ao voltar para Emaús, haja vista, que tudo acabou em Jerusalém. A passagem mostra e faz uma alusão da Santa Missa, onde existe no seu desenvolvimento o ato do perdão, a leitura e a explicação das Escrituras – homilia, o reconhecimento de Jesus ao partir o Pão e a Ação de graças.
“Senhor tende misericórdia” – Quantas vezes chegamos à Eucaristia com os corações partidos por várias perdas levam ao ressentimento ou à gratidão. O ressentimento é uma opção real. Muitos o escolhem. Quando somos atingidos por uma perda atrás da outra, é muito fácil nos tornamos desiludidos, maior é a tentação de dizermos: “A vida me passou para trás. Não há futuro para mim, nada pelo que ter esperança. A única coisa a fazer é defender o pouco que sobrou, para que eu não perca tudo”.
O ressentimento é uma das forças mais destrutivas em nossas vidas. Ele é a raiva fria que se incrustou no centro de nosso ser e endureceu nossos corações. O ressentimento pode tornar-se um modo de vida que invade nossas palavras e ações a ponto de não mais reconhecê-lo como tal.
A Eucaristia apresenta outra opção. É a possibilidade de escolher não o ressentimento, mas a gratidão. Ficarmos em luto por nossas perdas é o primeiro passo para além do ressentimento e na direção da gratidão. As lágrimas de nossa dor podem enternecer nossos corações empedernidos e abrir-nos para a possibilidade de dizer “obrigado”. A palavra “Eucaristia” quer dizer, literalmente, “Ação de graças”. Celebrar a Eucaristia e viver uma vida eucarística têm tudo a ver com gratidão.
“Esta é a palavra de Deus” – O “estranho” tinha de chamá-los de “insensatos” para fazer com que eles vissem. E qual é o desafio? Confiar. Eles não confiavam que sua experiência era mais que a experiência de uma perda irreparável. Não confiavam que houvesse algo mais a fazer que ir para casa e recomeçar o velho modo de vida. “Insensatos”, lentos de coração para crer; lentos de coração para crer; lentos para confiar em um esquema maior de coisas; lentos para superar suas tantas reclamações e descobrir o amplo espectro de novas oportunidades; lentos para passarem por sobre as dores do momento e vê-las como parte de um processo de cura muito maior.
Jesus junta-se à nós enquanto andamos na tristeza e explica-nos as Escrituras. Mas muitas vezes não o reconhecemos. Pensamos nele como um estranho que sabe menos que nós mesmos sobre o que está acontecendo em nossas vidas. E ainda assim – sabemos algo, sentimos algo, intuímos algo: nossos corações começam arder. No momento exato em que ele está conosco, não podemos entender totalmente o que está acontecendo. Não podemos falar isso uns com os outros. Mais tarde, sim, mais tarde quando tudo estiver acabado, podemos ser capazes de dizer: “Nossos corações não ardiam enquanto ele conversava na estrada e nos explicava as Escrituras?”. Mas quando ele anda conosco, tudo está perto demais para a reflexão.
“Tomem e comam” - quando Jesus entrou na casa de seus discípulos, a casa se torna sua casa. O convidado tornou-se anfitrião. Ele, que havia sido convidado, agora convida. “Durante a refeição, Jesus tomou o pão e, depois de abençoá-lo, partiu-o e deu-lhe”. O pão é tomado, abençoado, partido e dado. O vinho é tomado, abençoado, partido e dado. Isso é o que acontece em volta de cada mesa que queira ser uma mesa de paz.
Jesus é reconhecido ao partir o pão, tanto que os discípulos dizem: “fica, conosco senhor”. Jesus Ressuscitado vai, mas, permanece na Eucaristia. Permanece vivo e verdadeiro. Na Eucaristia, Jesus dá tudo. O pão não é o sinal de seu desejo de tornar-se nossa comida; o cálice não é só um sinal de sua disposição de ser nossa bebida. Pão e vinho tornam-se seu corpo e seu sangue no ato de dar. O pão, de fato, é seu corpo dado por nós; o vinho é o sangue vestido por nós. Enquanto Deus se torna inteiramente presente por nós em Jesus, da mesma forma Jesus torna-se inteiramente presente para nós no pão e no vinho da Eucaristia.
Contudo, a Comunhão com Jesus significa tornarmo-nos como ele. Com ele estamos pregados na cruz, com ele estamos deitados no sepulcro, com ele ressuscitamos para acompanhar viajantes perdidos em sua jornada. Comunhão, tornando-nos Cristo, leva-nos para uma nova região do ser.
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