Dom Vilson Dias de Oliveira, DC
Bispo Diocesano de Limeira, SP
“A
maneira inesperada do agir de Deus”
Leituras: Isaías 8, 23b-9,3; Salmo 26 (27), 1.4.13-14; Primeira
Carta de São Paulo aos Coríntios 1, 10-13.17; Mateus 4, 12-23 ou Mt 4, 12-17
(mais breve).
COR LITÚRGICA: VERDE
Animador:
Nesta Eucaristia recordamos o
chamado feito aos primeiros discípulos. Mas o chamado de Jesus não é só para
Pedro e André, Tiago e João, mas para todos nós. Todos somos chamados a deixar
tudo para seguir Jesus, anunciar a Boa Nova e fazer gestos de salvação. Somos
também chamados a nos converter porque o Reino de Deus deve ser construído.
Todos nós somos “pescadores” para tirar nossos irmãos e irmãs das ameaças do
mal e da morte.
1. Situando-nos brevemente
No domingo passado, vimos e
celebramos Jesus sendo apresentado por João Batista como “o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo” e “batiza, no Espírito Santo”. Cumpre-se nele
plenamente a figura do Servo libertador sonhado pelo profeta Isaías.
Humildemente fazendo a vontade do Pai, Ele se sacrifica pelos pobres e, qual
cordeiro, permite ser sacrificado na cruz pela causa da justiça divina em prol
dos pequenos. Este é o seu Espírito: solidariedade para com os pobres e
injustiçados, até a morte. Neste Espírito, pela sua ressurreição ele mergulha
(batiza) o mundo, para que o mundo, por sua vez, mergulhados neste seu
Espírito, ressuscite para uma nova vida, de fraternidade e de paz.
Hoje, Deus nos dá a graça de
estarmos de novo aqui, para ouvir a sua Palavra e celebrar a nossa Páscoa, a
fim de sairmos daqui fortalecidos e dispostos a frutificar em boas obras pelo
mundo afora. “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”, dissemos
logo no início da celebração.
2. Recordando a Palavra
O Evangelho de hoje começa noticiando
a prisão de João Batista. O profeta anunciador da vinda de Jesus foi parar na
cadeia. E agora entra Jesus em cena, não na Judeia (onde João Batista foi
preso), mas na Galileia, conforme a profecia de Isaías, que ouvimos na primeira
leitura (Is 8, 23b-9,3). Cumpre-se nele então a antiga profecia. Na Galileia,
“o povo que vivia nas trevas viu brilhar uma grande luz; e para os que viviam
na região escura da morte brilhou uma luz” (Mt 4,16). Era Jesus! Por isso que,
agora, o próprio Jesus – e não mais João Batista – começou a pregar dizendo:
“Convertam-se, porque o Reino dos Céus está próximo” (v.17). Diz o Evangelho
que “Jesus andava por toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando
Evangelho do Reino e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo” (v.23).
Por isso que cantamos hoje o Salmo 26, com este significativo refrão: “O Senhor
é minha luz e salvação. O Senhor é a proteção da minha vida” (v.1a.c.).
Outro detalhe: Jesus faz questão de
não trabalhar só. Vindo de Deus, que só age em comunidade – Pai e Filho e
Espírito Santo -, Ele faz questão de chamar gente para formar com Ele uma
equipe de convivência e ação. Começa chamando dois irmãos pescadores (Simão e
André): “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (v.18-19). Aos
poucos, esta equipe se amplia para doze e, depois mais ainda, para setenta e
dois, e assim vai, até nós hoje, aqui reunidos! Fazemos parte da equipe de
Jesus, trabalhando com ele por uma boa qualidade de vida da sociedade e do
nosso planeta.
E para que nosso trabalho
comunitário com Jesus seja de fato frutuoso, o apóstolo Paulo nos exorta hoje,
como ouvimos na segunda leitura, a sermos todos concordes uns com os outros.
Nada de divisões entre nós! (1Cor 1,10-13.17).
3. Atualizando a Palavra
Deus é surpreendente. Ele intervém
onde e quando e do modo que menos se espera. Esta maneira de agir de Deus –
através dos profetas dos apóstolos e até mesmo do próprio Jesus – é a
característica primordial da Palavra que hoje ouvimos. Neste sentido, ouçamos
na íntegra uma oportuna reflexão do nosso irmão biblista e teólogo franciscano,
de saudosa memória, Frei Raul Ruijs:
1.
Novos rumos. A ação de Deus na história é
sempre atual e fortemente carregada de sentido. É justamente por isso que hoje
ela nos comunica um profundo sentido de libertação e salvação. Libertação de
tudo aquilo que nos amarra e impede de sermos livres para Deus, e salvação no
sentido de que a atuação de Deus através de seu Filho Jesus Cristo abre nossos
olhos, descortina novos caminhos e novas perspectivas de vida nova, e nos faz
verdadeiros filhos da luz.
2.
A luz brilha nas trevas ... Imaginemos uma situação de
trevas, de escuridão completa assim como um curto-circuito na fonte elétrica de
uma cidade. São momentos angustiantes e carregados de tensão e medo, pois todos
se sentem inseguros diante do que poderá vir a acontecer. A expectativa é geral
e movem-se esforços para se sair da situação. O momento em que volta a força
geradora da luz, é sempre uma alegria e tudo volta à harmonia de antes....
O
profeta Isaías proclamou e o evangelista repete: “O povo que caminhava na
escuridão viu uma grande luz, e a luz brilhou sobre os que vivem na região
escura da morte”. Esta luz que brilha nas trevas é Jesus Cristo. O brilho de
sua luz entre nós é sempre motivo de alegria e de júbilo. Porque a humanidade
vivia em uma escuridão tremenda, muito mais espessa do que aquela da falta de
luz elétrica. É uma escuridão espiritual, que atinge as consciências, os modos
de pensar e de agir; uma escuridão que é abusada por toda forma de exploração,
roubo, opressão, humilhação e de tudo mais que não suporta a claridade da luz
(Ef 5, 8-14).
É nesta
escuridão que brilha a luz de Cristo. Esta luz transforma a realidade
existencial humana, tirando-nos do jugo do pecado e da morte, e colocando-nos
na fonte de vida nova, iluminada pelo ‘Sol da Justiça que traz a salvação’ (Ml
4,2). Graças a Cristo ‘a luz do mundo’ (Jo 8,12;9,5) e o ‘Sol da Justiça’ toda
a criação foi renovada e conduzida para o seu vigor e harmonia original.
Esta
luz de Cristo é, para nós cristãos, a razão e o sentido de nosso viver. Sem a
luz de Cristo nos é impossível viver em harmonia, pois nos perdemos na
escuridão, nossos caminhos se separam, os tornamos divididos, cada um para o
seu lado, insensatos e incapazes para o amor, a compreensão e o perdão que
plenificam a vida.
Isto
São Paulo percebeu na comunidade jovem de Corinto. Receberam a luz de Cristo.
Mas pouco depois também entre eles o egoísmo e a rivalidade, fontes de divisão
e discórdia, quebraram a unidade da comunidade, fazendo surgir a divisão do
grupo cristão.
Também
no nosso mundo de hoje, apesar de se dizer cristão, percebe-se claramente a
luta entre grupos humanos e classes sociais, provocadas por interesses
egoísticos e opressores. Estes são provenientes da luta “surda” e “cega” pelo
poder; poder este que é buscado a preço de vidas humanas. Poder econômico,
político, cultural e religioso acumulado em detrimento das massas
marginalizadas e espoliadas de responsabilidades e bens.
É nesse
clima que brilha a luz de Cristo, como um clarão que abre os olhos; e em que
ressoa a voz de Cristo sobre a vinda do Reino de Deus, como um brado de
libertação e um apelo à conversão e mudança de vida.
3.
Onde brilha a luz de Cristo? Para iniciar a pregação da
Boa-Nova da vinda do Reino, Jesus escolheu uma região pobre e humilde,
“atrasada”, bem no interior do país, longe da capital, do templo, das
autoridades. Procurou as regiões e ambientes onde havia gente que estava
sofrendo e necessitada. Ele não se dirigiu àquela pequena porcentagem das
elites do povo que não precisava de nada e estava convencida de que vivia
“muito bem de vida”, em prosperidade material. Jesus comoveu-se de compaixão
com os noventa e nove, por cento das camadas populares que “estavam
enfraquecidos e abatidos como ovelhas sem pastor” (Mt 4,23-25 e 9,36).
Seus
primeiros colaboradores, Jesus não os procurou em Jerusalém, nas escolas dos
rabinos ou na classe sacerdotal, mas entre os pescadores do Lago de Genesaré:
gente simples, rude, leal. Homens fortes, trabalhadores mesmo, que souberam o
que é lutar pela vida. Este procedimento de Jesus poderia ser um programa da
pastoral, poderia ensinar que as verdadeiras renovações espirituais e materiais
que atingem o povo e salvam não surgem das cúpulas, mas das bases.
Conclusão: Em Jesus Cristo, o mundo, as
coisas e os homens adquiriram novo sentido, novo rumo e uma nova esperança.
Porém, Ele exige de cada um de nós um empenho, um trabalho com nós mesmos.
Convida-nos a uma mudança total e radical de nosso modo de ser, de pensar e de
agir, para que possamos também ser luzes para o mundo, assim como Ele foi: um
ser-para-os-outros e para Deus. Só assim é que o poder-dominação poderá ser
transformado em poder-serviço. Somente através desta busca contínua no amor de
Cristo teremos condições de caminhar unidos e de mãos dadas para a construção
de um mundo mais humano e mais fraterno. Só assim é que as comunidades cristãs
poderão se tornar bases de uma nova sociedade: “sal da terra e luz do mundo”
(Mt 5,13s), semente do Reino (R. Ruijs. A maneira inesperada do agir de Deus.
In: VV.AA. A Mesa da Palavra. Ano A. Op. cit., p. 295-297).
4. Ligando a Palavra com ação litúrgica
Logo mais nos acercamos ao altar
para celebrar a Ceia do Senhor. O Senhor Jesus, nas módicas espécies de pão e
vinho, se faz pobre com os pobres e para os pobres. Corpo entregue e Sangue
derramado para a remissão dos pecados e transformação do mundo: eis a expressão
sacramental máxima da vida nova que nos é dada pela Páscoa de Jesus e nossa.
Por isso, concluímos nossa participação neste “mistério da fé” com esta oração:
“Concedei-nos, Deus todo-poderoso, que, tendo recebido a graça de uma vida
nova, sempre nos gloriemos dos vossos dons” (Oração depois da comunhão).
Que nesta Eucaristia nos leve à
coragem de permitir-nos entrar no Reino dos Céus, no mistério do agir de Deus
que a pessoa de Jesus perfeitamente representa, para sermos com Ele luz em meio
às trevas do nosso tempo, e os pobres possam gloriar-se dos dons dos altos
céus. Amém!
Oração dos fiéis:
Presidente: Imersos na luz de Cristo, pelo batismo, nos tornamos
filhos da luz. Por isso elevemos ao Pai nossas preces.
1. Senhor, que enviastes Teu Filho
Jesus como luz para iluminar o povo que vivia na escuridão, fazei que a Igreja
possa iluminar nossa sociedade com a palavra e o testemunho. Peçamos:
Todos: Senhor, seja sempre a nossa luz.
2. Senhor, que sois a proteção de
nossa vida, dai aos nossos governantes coragem para iluminar todos aqueles e
aquelas que vivem na escuridão da exclusão e da marginalização. Peçamos:
3. Senhor, ajude na conversão de
nossa comunidade para que o nosso testemunho alivie as enfermidades das
pessoas, provocadas pelas trevas do erro. Peçamos:
4. Senhor, ficai sempre conosco
para que possamos ter um testemunho vivo de fraternidade. Peçamos:
5. Senhor, ajudai nossos
dizimistas, que com a sua ajuda material, são testemunho desta luz que vem de
Ti. Peçamos.
(Outras intenções)
Presidente: Enviai Senhor, o vosso Espírito de verdade, para que
tua Palavra converta nosso coração e renove nossa existência. Por Cristo, nosso
Senhor.
Todos: Amém.
III. LITURGIA EUCARÍSTICA
ORAÇÃO SOBRE AS OFERENDAS:
Presidente: Ó Deus, acolhei com bondade as oferendas que vos
apresentamos para que sejam santificadas e nos tragam a salvação. Por Cristo,
nosso Senhor.
Todos: Amém.
ORAÇÃO APÓS A COMUNHÃO:
Presidente: Concedei-nos, Deus todo-poderoso, que, tendo recebido a
graça de uma nova vida, sempre nos gloriemos dos vossos dons. Por Cristo, nosso
Senhor.
Todos: Amém.
BÊNÇÃO E DESPEDIDA:
Presid.: O Senhor esteja convosco.
Todos: Ele está no meio de nós.
Presid.: Que o Senhor os guie no trabalho do anúncio da Palavra
de seu Filho, cobrindo-os com sua bênção.
Todos: Amém.
Presid.: (despede a todos).