Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo
Na comemoração de São Paulo, Padroeiro da Arquidiocese de São Paulo, dia 25 de janeiro, olhamos para o Apóstolo como exemplo inspirador de discípulo missionário de Jesus Cristo; ele deixou-se interpelar por Cristo: “por que me persegues?”; e colocou-se à disposição de Cristo: “Senhor, que queres que eu faça?”
A partir desse encontro de “conversão”, Paulo foi fiel a Cristo pelo resto da vida, dedicando todas as suas energias e capacidades humanas ao serviço do Evangelho. Seu amor por Cristo e pela Igreja, “corpo de Cristo”, o levou a fazer rupturas, enfrentar incompreensões, perseguições, privações e sacrifícios extremos, ao ponto de poder dizer: “o meu viver é Cristo!” Por fim, entregou a vida por Cristo no martírio.
Esse amor por Cristo e pela Igreja explica seu zelo pelas comunidades acompanhadas por ele, para que Cristo nelas fosse conhecido, amado e seguido. Por isso, além de aprofundar o conhecimento do Evangelho com as comunidades cristãs, ele também as orientava para que a vida delas fosse coerente com o Evangelho. Cuidava para que não se inserissem falsos ensinamentos, nem divisões nas comunidades cristãs.
Na primeira Carta aos Coríntios (cf 1Cor 1,10-17), Paulo enfrenta um problema de discórdia e divisão naquela comunidade: “informaram-me a vosso respeito que há contendas entre vós”. As discórdias diziam respeito a uma questão fundamental, que podia levar à divisão interna da Igreja de Corinto: partidos e grupos reuniam-se em torno de determinados líderes e esqueciam que Cristo devia ser o centro da vida dos cristãos: “alguns dentre vós dizem: eu sou de Paulo. Outros dizem: eu sou de Apolo; ou ainda: eu sou de Cefas, eu sou de Cristo”. Além das brigas internas, as disputas em relação aos pregadores podia mesmo dar origem a fraturas e seitas...
O mais grave nessa questão era que os Coríntios colocavam Paulo, Apolo e Cefas (Pedro) no mesmo plano de Cristo, que seria apenas uma das possíveis referências para a comunidade, dependendo do gosto de cada um. Alguns preferiam Paulo, outros, Cefas ou Apolo. Paulo intervém para deixar claro que a referência a Cristo é obrigatória para todos. “Será que Cristo está dividido? Acaso foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou é em nome de Paulo que fostes batizados?”
Estava em jogo a centralidade da pessoa de Cristo e do seu Evangelho para a fé dos cristãos. Os gregos de Corinto estavam transformando o Evangelho numa questão de oratória, de argumentação filosófica ou de vaidade humana, assim como se fazia com a filosofia, onde cada um podia ter suas preferências por um, ou outro filósofo. Paulo bate firme na questão: no caminho da fé cristã não se trata de aderir a pregadores mas, por meio dos pregadores, de aderir a Jesus Cristo e encontrar, unicamente por meio dele, e a salvação e a comunhão com Deus.
Os pregadores do Evangelho não anunciam a si mesmos, nem batizam em seu nome, mas em nome de Cristo; sua missão é levar as pessoas a seguirem os caminhos do Evangelho e da fé em Cristo, em vez de seguirem os próprios pregadores, na base de gostos e preferências estéticas ou sentimentos humanos. “Quando alguém declara – eu sou de Paulo, e – “eu sou de Apolo” -, não estais apenas no nível humano? Pois, o que é Apolo? O que é Paulo? Não passam de servos, pelos quais chegastes à fé. A cada um, Deus deu a sua tarefa: eu plantei, Apolo regou, mas era Deus quem fazia crescer” (cf 1Cor 3,4-9). A apóstolos e pregadores são apenas servidores de Cristo. O importante é que as pessoas, por sua pregação, cheguem a Cristo e, por meio dele, a Deus salvador.
A lição de Paulo não foi sempre lembrada e, depois dos apóstolos, ao longo da história, as disputas e divisões na Igreja de Cristo continuaram; e continuam até hoje, infelizmente! Os motivos, na maioria das vezes, são mais humanos que teológicos ou doutrinais: questões de vaidades, soberba, busca de poder e prestígio, ou até de dinheiro, mágoas não superadas por relacionamentos internos podem levar a divisões na Igreja. Mas também ideologias e partidos, que se tornam mais importantes que a própria fé e o Evangelho, podem ser motivos de desavenças, correntes e tendências destruidoras da unidade da Igreja. Quantas vezes, o abandono da Igreja ou a mudança de religião é simplesmente determinado por um gosto ou sentimento pessoal!
A lição de São Paulo aos Coríntios continua sempre pertinente e atual: é hora de lembrar que, na Igreja, todos devemos estar unidos em torno de Jesus Cristo, Senhor da Igreja; pregadores, bispos, padres, pastores, “apóstolos”, “missionários” devem todos colocar-se a serviço de Cristo e do seu Evangelho. “Fundadores” e “donos” de Igrejas devem recordar que temos um único Fundador e Senhor na Igreja. A ele, todos nós devemos servir, para o bem do povo de Deus, na verdade, na humildade e na caridade.
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