Só Deus existe por si, sem princípio e sem fim. Toda pessoa humana é gerada, gestada, dada à luz, cuidada e sustentada por outros. Na grande rede das relações interpessoais e com a natureza, cada ser humano vai desenvolvendo seu ser e fazendo sua história. Nesta rede vital, a família ocupa o lugar fundamental.
Sem família ou quem faça por ela, ninguém nasce e sobrevive. Ela é o nascedouro da vida e ao mesmo tempo o jardim no qual cada um a vai construindo. Assim como a família é o berço da vida, ela é também o santuário da fé. Os pais, felizes por viverem em Cristo, tomam as providências necessárias para inserir a criança por eles gerada na comunidade cristã em que vivem, sua segunda família, através do batismo. Chegando à fé por encaminhamento de seus pais, ajudada pela catequese familiar e comunitária, a criança a assume pessoalmente e busca confirmá-la na primeira eucaristia e na crisma. Na medida em que cresce na fé recebida da família, a própria pessoa vai contribuindo para o crescimento da vida cristã em seu próprio lar.
Desta maneira, a família proporciona a seus membros o encontro com Cristo do qual nasce o discípulo, que, por sua vez, se torna missionário da e na família.
Segundo a Conferência de Aparecida, a família é um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos e patrimônio de toda a humanidade. Ela é espaço e escola de comunhão, fonte de valores humanos e cívicos, lugar em que a vida humana nasce e é acolhida generosa e responsavelmente.
A Igreja proclama constantemente a grandeza da família.
Nos documentos do Concílio Vaticano II, ela é definida como: célula primária e vital da sociedade (AA 11d); escola de enriquecimento humano, de sentimentos humanos mais ricos e fundamento da sociedade (GS 52); primeira escola das virtudes sociais; ambiente natural e sobrenatural para a educação dos filhos (GE 3); escola do apostolado leigo (LG 35) e estágio para o mesmo (AA 30); sementeira do apostolado dos leigos e das vocações sacerdotais e religiosas (AG 19), primeiro seminário para as vocações sacerdotais (OT 2); Igreja doméstica (LG 11).
Nos documentos de Puebla e Santo Domingo, ela é entendida como: sujeito e objeto de evangelização, centro evangelizador de comunhão e participação (DP 569); imagem de Deus, que "no mais íntimo do seu mistério não é uma solidão, mas uma família" (DP 582); agente insubstituível de Evangelização e base da comunhão na sociedade (DP 602); lugar privilegiado de promoção humana (Mensagem de Santo Domingo); Igreja doméstica, primeira comunidade evangelizadora (DSD 64); santuário da vida, lugar primário da "humanização" da pessoa e da sociedade, fermento e sinal do amor divino e da Igreja e, portanto, deve estar aberta ao plano de Deus (SD 210).
Nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 1999-2002 (CNBB, Doc. 61, 275), a família é considerada a primeira e fundamental estrutura a favor da “ecologia humana”, no seio da qual o ser humano recebe as primeiras e determinantes noções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que significa, em concreto, ser uma pessoa.
Segundo o Documento de Medellín, é missão da família formar pessoas, educar na fé e promover o desenvolvimento.
Na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, de 22 de novembro de 1981, fruto da Quinta Assembléia Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a família, de 26 de setembro a 25 de outubro de 1980, João Paulo II aponta estes quatro deveres gerais da família: 1) a formação de uma comunidade de pessoas; 2) o serviço à vida - transmissão da vida e a educação; 3) a participação no desenvolvimento da sociedade; 4) a participação na vida e na missão da Igreja - comunidade crente e evangelizadora; comunidade em diálogo com Deus; comunidade ao serviço do homem.
Em preparação a esta Assembléia do Sínodo, a CNBB, no Documento Valores Básicos da Vida e da Família (Volume 18 da Coleção Documentos, nº 22), constata que a família hoje divide com outras estruturas sociais ou intermediárias várias de suas funções tradicionais (a educativa, a econômica, a de definidora de status social, a procriadora...). Liberada destas funções, passou a exercer as que hoje parecem ser verdadeiramente essenciais: a função de formar pessoas livres, conscientes, responsáveis; a função afetiva capaz de desenvolver a capacidade de viver o amor que se funda na justiça; a função comunitária, de formação do espírito crítico, para uma inserção transformadora de seus membros na sociedade; a função de transmissão da fé; a função de promotora do desenvolvimento integral da sociedade, que inclui a denúncia dos modelos de desenvolvimento, cujo centro não é o homem; a função de celebrar sua fé com expressões próprias da vida familiar.
Ao se falar do ideal da família, não se desconhece a situação concreta de muitos lares. A crise em que a família se encontra lhe acarreta profundas carências afetivas e emocionais, afirma o Documento de Aparecida (cf 444). Famílias irregulares e desintegradas criam situação de violência para muitas crianças (cf 439). Por outro lado, há a situação social de extrema pobreza, deixando a família em difíceis condições de sobrevivência.
É fácil constatar alguns problemas que afetam a família: muitas uniões de fato, sem a celebração do sacramento e sem o compromisso civil; determinados valores (estabilidade, fidelidade...) questionados e não mais levados em conta; muitos jovens não preparados para o compromisso conjugal, familiar e não conseguindo entender a grandeza do matrimônio; o trabalho da mulher fora do lar requer novos ajustes na família; a educação dos filhos não vem sendo feita em primeiro plano pela família; o lar não é mais o lugar de encontro e diálogo entre o casal, entre pais e filhos... a multiplicidade de atividades faz os membros da família se desencontrarem; muitas famílias são afetadas por dramas delicados: toxico-dependência, HIV, gravidez precoce; vínculos matrimoniais rompidos facilmente.
O Documento de Medellín, ainda em 1968, constatava sérias conseqüências na família decorrentes das mudanças rápidas, especialmente da urbanização e do desenvolvimento com marginalização: muitas uniões e poucos casamentos, alta percentagem de nascimento de uniões não estáveis, desagregação familiar, acentuação do hedonismo e erotismo, condições precárias para grande parte das famílias.
Em 1979, o Documento de Puebla, constatava que na família repercutem os frutos mais negativos do subdesenvolvimento - miséria, ignorância, analfabetismo, falta de moradias, subalimentação... Que ela sofre os efeitos dos compromissos internacionais dos governos em relação ao planejamento familiar, com imposições antinatalistas, esterilização e aborto. Sofre o impacto da pornografia, do alcoolismo, das drogas, da prostituição e tráfico de mulheres.
Na Conferência de Santo Domingo, 1992, os bispos voltavam a constatar as conseqüências maléficas para a família da situação de miséria, das campanhas antivida e das forças que ameaçam destruí-la ou deformá-la.
Diversos documentos da CNBB apontam também para estes e outros aspectos negativos em relação à família.
Por causa destas dificuldades e em vista do seu ideal, são necessárias muitas atividades pastorais em favor da família. Como discípulos missionários de Cristo, somos chamados a trabalhar para modificar esta realidade, a fim de que a família possa assumir seu ser e sua missão na sociedade e na Igreja. É necessária uma pastoral familiar intensa e vigorosa para proclamar o evangelho da família, promover a cultura da vida e trabalhar para que os direitos das famílias sejam reconhecidos e respeitados (cf Documento de Aparecida, 302, 431 e 435).
O Documento de Aparecida acentua a necessidade de a Igreja na América Latina assumir um novo impulso missionário que se expresse numa verdadeira missão continental.
O discípulo missionário de Cristo encontra na família o ponto inicial para sair em missão. Por outro lado, sua ação missionária terá a própria família como alvo prioritário.
Pe. Antonio Valentini Neto, Pároco da Catedral São José.