Mais uma vez Ir. Nery nos brinda com informações
sobre um processo que pouco a pouco vem tomando forma em nossas paróquias: a
Iniciação à Vida Cristã pelo Processo Catecumenal. Processo esse,
usado pela Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo e que pede uma retomada
urgente na catequese dos dias de hoje.
CATEQUESE DE
INPIRAÇÃO CATECUMENAL
Entrevista com o
Irmão Israel Nery fsc
Ângela Rocha. Ir. Nery,
temos aqui mais um tema... É sobre a aplicação prática do
itinerário catequético de inspiração catecumenal. Vejo tanta
diversidade de interpretação e de colocação do processo em prática...
Irmão Nery: Apesar do
Concílio Vaticano II ter solicitado, há quase 50 anos atrás, que a Igreja
retomasse, no processo de educação dos fiéis (na fé, na esperança e no amor), o
Itinerário Catecumenal (dos século III ao V), considerado período áureo da
Catequese, temos de reconhecer que aqui no Brasil isso está apenas no começo.
As orientações do Concílio sobre este assunto e a aplicação litúrgica do
Catecumenato (no Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (RICA, 1972), entrou no
interesse da Igreja e, particularmente da Catequese, apenas a partir de 2000,
quando aconteceu a mobilização nacional e a Segunda Semana Brasileira de
Catequese, que aconteceu em 2001, sobre Catequese com Adultos.
Insisto em três questões, para iniciar nosso
diálogo:a) a retomada, mas de modo adaptado, do itinerário catecumenal;b) o
sentido amplo de inspiração catecumenal;d) e o RICA, que é um ritual litúrgico.
Ângela Rocha: Por favor,
explique um pouco mais esta retomada do Catecumenato, solicitada
pelo Concílio, e, também, se esta retomada é mesmo tarefa da Catequese.
Irmão Nery: Escolho
apenas três orientações do Concílio Vaticano II e uma do Catecismo da Igreja
Católica para elucidar esta questão.A primeira é da Constituição dogmática “Sacrossanctum
Concilium”, que é sobre Liturgia: Restaure-se o Catecumenato de
Adultos, dividido em diversas etapas, introduzindo o uso de acordo com o
parecer do Ordinário do lugar. Desta maneira, o Tempo do Catecumenato,
estabelecido para a conveniente instrução, poderá ser santificado com os
sagrados ritos a serem celebramos em tempos sucessivos (SC, 64). Está
claro na SC que o Catecumenato, visto sobre o ângulo da Liturgia, exige
Catequese considerada como um “tempo para a conveniente instrução”. O segundo
texto é do Decreto Conciliar “Ad Gentes” que chega a dar elementos
importantes sobre a definição de Catecumenato:O catecumenato não é uma mera
exposição de dogmas e preceitos, mas uma educação de toda a vida cristã e um
tirocínio de certa duração, com o fim de unir os discípulos com Cristo, seu
mestre. Sejam os catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da
salvação.” (AG 14). E o Concílio é claro, quanto à responsabilidade
eclesial com relação ao Catecumenato. Eis o terceiro texto: A iniciação
cristã no Catecumenato não é apenas tarefa dos catequistas e sacerdotes, mas de
toda a Comunidade dos fiéis, de modo especial, dos Padrinhos. (AG, 14).Concluo
esta fundamentação em documentos da Igreja, com a seguinte orientação síntese
dada pelo Catecismo da Igreja Católica, 1248: O catecumenato, ou
formação dos catecúmenos, tem por finalidade permitir a estes últimos, em
resposta à iniciativa divina e em união com uma comunidade eclesial, que levem
a conversão e a fé à maturidade. Trata-se de uma "formação à vida cristã
integral (...) pela qual os discípulos são unidos a Cristo, seu mestre. Por
isso, os catecúmenos devem ser iniciados (...) nos mistérios da salvação e na
prática de uma vida evangélica, e introduzidos, mediante ritos sagrados
celebrados em épocas sucessivas, na vida da fé, da liturgia e da caridade do
povo de Deus.
Ângela Rocha: Mas, na
verdade o Concílio fala apenas, ou, sobretudo, da Catequese com Adultos quando
se refere ao Catecumenato e ao RICA.
Irmão Nery. Para entender
isto, é preciso recordar que, por mais que, na catequese, estejamos dando mais
atenção às crianças, na verdade, para a Igreja, desde os seus primórdios, a
prioridade das prioridades na evangelização, na catequese, na liturgia e na
vida cristã prática, são os Adultos. O Concílio Vaticano II, fiel a esta
tradição e levando em conta a importância da boa formação dos adultos, pede,
portanto, que se restaure o Catecumenato de Adultos (SC 64), como a mediação
que melhor atende a esta finalidade. Logo depois do Concílio, quase que ao
mesmo tempo que o RICA, a Igreja, executando a recomendação do Decreto Christus
Dominus, 44, (sobre a missão do Bispo), publica em 1971, o “Diretório
Catequético Geral” (DCG), que nos itens 20 e depois 92 a 97, ao falar da
Catequese com Adultos diz: Lembre-se também os pároco que a Catequese
de Adultos, sendo dirigida a pessoas capazes de uma adesão plenamente
responsável, deve ser considerada como a principal forma de catequese, à
qual todas as outras formas, certamente sempre necessárias, de alguma forma se
subordinam.Por sua vez o Congresso Internacional de Catequese, promovido pela
Sé Apostólica, em Roma, em 1971, insiste nesta prioridade a falar da catequese
com as crianças: É necessário prestar crescente atenção à catequese de
adultos e reconhecer que a catequese das crianças depende mais que
nunca da fé dos adultos. Os adultos e a família requerem uma prioridade
catequética. A catequese de adultos é a forma plena da catequese. As outras
formas remetem a ela... O testemunho da comunidade de adultos é fonte e
fim da catequese. (cf. IRMÃO NERY: Catequese com adultos e
catecumenato, pg. 85).Uma conseqüência lógica seria que, em todas as
paróquias e dioceses, se coloque a catequese com adultos como prioridade e que
junto com toda catequese com crianças, adolescentes e jovens, se faça a
catequese com os pais e padrinhos destes catequizandos (filhos e afilhados),
numa organização concomitante com a catequese com adultos.
Ângela Rocha: É. A
tarefa é complexa e estamos ainda longe do que, há mais de 40 anos, a Igreja
vem propondo. O importante é que tentemos. E como fica, então, o Catecumenato
para a Catequese, tanto de Adultos como de crianças e de jovens?
Irmão Nery: Acima de tudo não
pode ser “remendo de pano novo em roupa velha”, isto é, apenas mudar o
rótulo dizendo que é “Iniciação à vida cristã” ou que é de “estilo
catecumenal”, quando, na verdade, mantem-se o mesmo esquemão tradicional, tanto
de conteúdo como de metodologia e, finalização ao estilo escolar de “cursinho
vestibular para receber sacramentos” (Primeira Comunhão, Confirmação,
Matrimônio, Batismo...), na maior parte das vezes mais “ato social” do que
celebração de fé. Mas é preciso deixar claro também que para mudar é preciso um“novo
tipo de catequista”, que tenha vivenciado intensamente o estilo da
catequese de inspiração catecumenal, caso contrário continuaremos fazendo
tudo igual, apenas com nome diferente. Uma das necessidades principais e mais
urgentes é que, sobretudo, bispos, padres e coordenadores de pastoral,
além dos catequistas, passem por este processo renovador. Isso é sério
porque os catequistas que se renovam podem não ser apoiados e até mesmo
barrados pelos padres e coordenadores, que não estiverem em sintonia com a
orientação da Igreja quanto ao itinerário catecumenal.
Ângela Rocha: Em quanto
aos livros, cadernos ou manuais recentes para a Catequese?
Irmão Nery: Não é nada
fácil escrever subsídios catequéticos que sejam realmente de inspiração
catecumenal, isto é, que tenham como meta a iniciação à vida cristã. Por muito
tempo ainda – tomara que eu esteja errado -, nossa catequese no Brasil vai
ficar muito atrelada à preparação para os sacramentos e bem no estilo de
sacramentalização. A maioria das novas coleções para a catequese, na verdade,
realizam a operação do rótulo, mantendo o tradicional. Incluem
algumas celebrações do RICA, o que até podem banalizar estas ricas celebrações,
porque correm o risco de serem realizadas no estilo tradicional burocrático,
ritualista e frio que predomina nas celebrações de nossa Igreja e ainda podem
ficar repetitivo, pois são feitas na preparação à Primeira Eucaristia e depois
na preparação da Confirmação. Pode até acontecer que estes subsídios estejam
sendo oferecidos como uma transição suave para a introdução aos poucos da
iniciação à vida cristã e que os autores, em breve, venham a produzir materiais
mais ajustados ao itinerário catecumenal.
Ângela Rocha: É
necessário seguir, neste itinerário catecumenal, os clássicos 04 tempos ou 5
tempos e as 3 Etapas?
Irmão Nery: Muitos padres,
coordenadores e catequistas ainda desconhecem oRICA, um livro de
Rituais, que traz apenas as 03 Etapas, que são
Celebrações de transição de um Tempo para outro, menos a terceira que tem um
significado muito próprio por ser a Vigília Pascal. O RICA traz também outras
celebrações correspondentes aos diversos ritos que fazem parte do itinerário
catecumenal. Ainda há, entre padres, coordenadores de pastoral e catequistas,
resistência ao Catecumenato e há os que o confundem com o Caminho
Neo-catecumenal, que é um grupo ou movimento com estrutura rígida, organização
mundial, lideranças específicas e um modo próprio de entender e realizar o
Catecumenato. Isso, sem dúvida, tem dificultado bastante que a iniciação à vida
cristã, tenha recebido o apoio de que precisa para acontecer. Quanto aos Tempos
e Etapas. Ainda há confusão com estes dois termos, pois não estão em uso desde
o século V. Foram recuperados pelo RICA, que não teve vez no Brasil. “Etapa” já
expliquei no parágrafo anterior e se refere à celebração litúrgica de
transição de um Tempo para outro. “Tempo” é a fase de meses
ou anos dedicadas à formação humana e cristã dos que pedem para ser
batizados ou que, tendo sido batizados, não tiveram uma boa iniciação à vida
cristã e precisam enriquecê-la, completá-la.
Ângela Rocha: Não seria
conveniente nesta nossa fala, você nos dar um resumo do essencial de cada Tempo
do itinerário catecumenal?
Irmão Nery: Sim, posso
fazê-lo, apesar de haver, sobre o assunto, vários livros, artigos, folhetos,
como por exemplo, o Estudo da CNBB n.º97 - “Iniciação à Vida Crista”.
O Primeiro Tempo (Kerigma) é
dedicado tanto à Interação grupal para criar confiança mútua entre os
participantes, formar grupo e, sobretudo, comunidade; e é dedicado também e
principalmente ao anúncio primeiro e vibrante de Jesus Cristo (ou Kerigma) para
ajudar cada pessoa pessoas a assumir para valer Jesus Cristo (encontro pessoal
e intransferível com Jesus Cristo) e vivenciar o processo de conversão para se
transformar em discípulos missionários dele consciente, esclarecido, coerente e
generoso. Não há duração recomendada para este Tempo. A pessoa, denominada de
“Introdutor/a”, encarregada de fazer acontecer este Tempo e os próprios
participantes do mesmo fazem a avaliação e decidem sobre a passagem para o
Segundo Tempo, o da catequese propriamente dita ou catecumenato. No final
acontece a Celebração ou Etapa de transição para o Tempo seguinte (Ver no
RICA).
O Segundo Tempo
(Catecumenato): É o mais longo e denso no
itinerário catecumenal. É o período dedicado à catequese propriamente dita,
para se conseguir de modo harmonioso e abrangente, uma boa síntese dos
principais conteúdos da fé cristão, segundo o modo católico de entendê-los e
vivenciá-los. Mas esta catequese (ou Tempo específico de catecumenato. O termo
vem de catequese, “fazer ecoar e ressoar” dentro da pessoa em seu
comportamento, a conversão e a mensagem do Evangelho). Para isso é preciso
evitar o estilo “escolar, de aulinha”, mas adotar o “estilo kerigmático, isto
é, fraterno, comunitário, orante, celebrativo, meditativo, confrontador com a
vida pessoal e social, em sentido de comunhão eclesial e missionário. Há
durante este Tempo de Catecumenato ou Catequese, ritos e celebrações
importantes. No final há a Celebração ou Etapa, que faz a transição para o
Tempo seguinte (Ver no RICA)
O Terceiro Tempo (Purificação e
Iluminação). É a última Quaresma do processo,
que passa a ser vivida como uma espécie de “grande retiro de 40 dias” em
preparação da Páscoa. Há uma intensa atividade em vista de se assimilar a ética
do evangelho, a moral cristã, o sentido de pecado e de perdão-reconciliação.
Mas é um tempo dedicado a um re-estudo orante dos Sacramentos, especialmente os
da iniciação cristã (Batismo, Confirmação e Eucaristia) e também do Mistério
Pascal. Há ritos importantes e muito significativos a serem realizados,
especialmente no sábado santo pela manhã e uma boa meditação sobre os textos e
os ritos da Vigília Pascal. A Celebração ou Etapa 3 é a própria Vigília Pascal
– Ver no RICA e no Missal)
O Quarto tempo (Mistagogia). É
um Tempo privilegiado, no período pós-pascal para um mergulho mais intenso nos
“segredos” (mistérios) da fé cristã. O termo “mistagogia” é formado por duas
palavras gregas: a) mistério (resumido em “mista”); b) agog (gruía,
condutor, orientador), portanto, Mistagogia significa “conduzir, guiar para
dentro do mistério, dos segredos de Deus. Nos séculos III ao V, muitos bispos
reservavam para si este Tempo e algumas “Catequeses Mistagógicas” foram
conservadas na literatura cristã, entre as quais, se destacam as de São Cirilo
de Jerusalém. Não há uma Celebração ou Etapa para uma transição para um outro
Tempo, porque, segundo a organização catecumenal, o fiel já passava a ser
considerado suficientemente iniciado, cabendo-lhe continuar o processo
formativo como membro pleno da Comunidade Cristã, responsável por si, pela
Igreja e pela Missão.
Ângela Rocha. Que riqueza
imensa! Mas é preciso seguir rigorosamente estes Tempos e Etapas? Há outra
modalidade de se fazer a Iniciação à Vida Cristã?A gente sabe que há lugares em
que se faz “iniciação à vida cristã”, mas sem seguir rigorosamente este
esquema.
Irmão Nery: Os livros que
informam sobre o Catecumenato histórico dos séculos III ao V e o RICA,
evidentemente apresentam os 04 Tempos e as 03
Etapas ou Celebrações, mais os diversos Ritos a serem realizados
ao longo do processo. Esta é uma das modalidades, recomendável para
organizar iniciativas para a Formação Iniciática de Catequistas, pois ao
mesmo tempo em que o itinerário catecumenal é ensinado e aprendido, mais que
isso, ele é experienciado pelos catequistas. É aconselhável também para a
Catequese com Adultos e mesmo com jovens. Mas, neste período de transição em
que estamos, da passagem do estilo tradicional de catequese para a “catequese
de inspiração catecumenal”, é preciso calma, paciência, adequação, mudanças aos
poucos, sempre acompanhadas de explicações, orientações para se evitar perda de
tempo e de energias com discussões estéreis.
Relembro que o essencial na chamada “inspiração
catecumenal” está “no jeito kerigmático”, com que se deve fazer tudo na
Igreja, isto é, “centralizar no encontro pessoal com Jesus Cristo e na
conversão”. Está comprovado que a catequese de mero “ensino” e
“sacramentalização” e, a liturgia de mera “leitura fria e burocrática de
Rituais” não funcionam mais. Mas aqui desejo fazer uma observação importante.
Quando se começa o processo de implantação da catequese catecumenal, precisa-se
imitar Jesus Cristo. Se esvaziar, humilhar-se, ouvir, ler, consultar, observar,
inculturar-se aos poucos, respeitar as particularidades de cada diocese. Não se
pode comparar uma diocese com outra, pois cada qual tem sua caminhada. Quem
contesta as mudanças querendo impor seus pontos de vista destrói a unidade da
Igreja e cria animosidade. A humildade e a capacidade de escuta são vitais para
todos nós discípulos missionários de Jesus Cristo, leigos, leigas, religiosos,
religiosas, líderes, ministros, ministras, padres, bispos.
Ângela Rocha: Apenas mais
uma perguntinha. Voltando aos Tempos e Etapas, existe um possível Quinto Tempo
e mais alguma Etapa no itinerário catecumenal?
Irmão Nery: Historicamente, pelo
que sei, não existiu, mas nada impede que sejam criados, se a realidade apontar
que seriam úteis no processo educativo da fé, da esperança e da caridade. Em
alguns cursos e assessorias tenho proposto um quinto tempo, que seria,
a meu ver, a partir da realidade dos católicos no Brasil e dos últimos
documentos da Igreja, de grande importância, para se trabalhar os
seguintes temas:a) orientações para a Formação Permanente;b) Vocações e
ministérios na Igreja;c) Projeto pessoal de vida à luz da fé;d) estágios
acompanhados em diferentes pastorais;e) experiências missionárias de fronteira,
isto é, em lugares ou situações maior exigência.
Mas é a realidade de
cada lugar e a capacidade de escuta dos sinais dos tempos, das necessidades de
uma formação cada vez mais exigente, num mundo plural, agressivo e esvaziador
como o atual, que vão fazer perceber a oportunidade e necessidade de mais
Tempos e Etapas no itinerário catecumenal, adaptado e inculturado ao hoje de
nossa história.
Aproveito a oportunidade desta entrevista para
saudar a quem estiver lendo e, ao mesmo tempo, solicitar ajuda para que este
texto seja aperfeiçoado e enriquecido em benefício da renovação da catequese e
de toda a nossa Igreja.
Ângela Rocha: Obrigado
Ir. Nery, acredito que suas palavras serão aproveitadas ao máximo por todos os
catequistas que estão aplicando o processo cateqcumenal em suas paróquias e por
aqueles que ainda virão aplicar.