Irmão Nery fsc*
1. Animar, animação
O termo é polissêmico. Deriva de “anima” (em latim), isto é, “alma”. E neste sentido, animar significa dotar de vida um organismo, enriquecê-lo de dinamismo, vivacidade, movimento, expressão.
Em literatura o termo animação é usado muitas vezes como um estilo de força e de calor que se põe em um texto, seja no modo de escrevê-lo e que, portanto, prende o leitor, seja de fazê-lo ao ser lido ou escutado, cativando os leitores e/ou ouvintes.
Animar tem também o significado de encorajar, estimular, como no caso de motivar e incitar, por exemplo, um grupo a uma tarefa, pessoas e animais numa competição.
Usa-se ainda o termo animar para se falar do fervor e entusiasmo em uma missão, como o caso de alguém que está animado de um grande zelo ou ardor ou paixão pelo que faz ou de um grupo que está animado por uma profunda amizade que interliga as pessoas de modo muito especial.
Frei Luiz Carlos Susin, comentando a criação do ser humano na Bíblia, escreve que “a alma é como o sangue que nutre e mantém a temperatura, como o respiro e a relação entre o mais íntimo e o que nos inspira e nos faz desejar. E isso cria, no ser humano, uma tensão muito grande: somos frágeis, feitos do pó da terra, mas somos também um desejo infinito de divino, de imortalidade, somos imagem de Deus-criador para nos relacionarmos com Deus e, como disse bem Santo Agostinho, nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Deus” 1 Podemos deduzir então do acima apresentado, que animação é a tarefa de injetar vida, alma, energia, força, entusiasmo, vibração em pessoas dedicadas, devotadas a uma tarefa ou missão.
Quem assume esta mobilização é comumente denominado animador e, portanto, deve, de per si, estar tão dinamizado espiritual e fisicamente, que seu testemunho, modo de agir e falar tenha a força natural de cativar, unir ideais e esforços, canalizar energias, portanto, animar.
2. Bíblia
Sabemos que a biblioteca, de 73 livros sagrados ou Bíblia, traz para nós, que temos o dom da fé, a maravilhosa riqueza da experiência de Deus, caminhando com seu Povo e deste povo caminhando com Deus. O momento máximo desta história é a encarnação, vida, testemunho, mensagem, missão, doação, morte, ressurreição e glorificação do Filho de Deus, Jesus Cristo e o envio do Espírito Santo sobre a comunidade que se formou com ele e a partir dele.
Esta biblioteca escrita ao longo de mais de mil anos, é um texto que, porém, depende de vários fatores para ser lido, como é o caso do contexto que o envolve e são muitos, assim como os gêneros literários, as épocas, as culturas, as regiões, as pessoas que o redigiram, etc.
O mais importante, porém, é a capacidade de leitura a partir da fé, isto é, com a convicção de que enquanto se adentra no sentido do texto, mais que conhecimento, se tem o privilégio de
ouvir Deus, dialogar com ele, alimentar a intimidade com ele e dele receber orientações de vida.
Nós que temos o dom da fé cremos que neste livro sagrado está, de modo denso e privilegiado, a Palavra de Deus. Mas cremos também de que esta Palavra, porém, não se esgota nas Escrituras Sagradas, pois, de fato, a Palavra divina precede o próprio livro sagrado, pois ela está na vida e no cosmos e, mais ainda, ela ultrapassa a tudo isso, pois está de modo pleno em Jesus Cristo, a Palavra de Deus encarnada. E ele é a chave que nos possibilita compreender o livro das Escrituras e é, por isso, que o cristianismo não é uma religião do livro, mas a religião de uma Pessoa, do próprio Filho de Deus, a Palavra feita pessoa humana e divina.
1 SUSIN, Luiz Carlos: “Ser humano: uma ânsia de infinito”, no livro Compreender para crer – universitários caminham na fé – Ed. Paulinas – PUCRS, p. 24, Ano 2005.
Há duas atitudes fundamentais que precisamos ter diante da Palavra de Deus: acolher Jesus e ouvir e fazer o que ele nos tem a dizer. Foi o que aconteceu com os discípulos de Emaús. Eles o acolheram na caminhada, um forasteiro que viajava sozinho, com ele partilharam seus sofrimentos e depois o ouviram. Jesus os escuta e comunga de seus sofrimentos. Uma vez bem enturmado e tendo conhecimento da situação deles, e isso demorou, Jesus fala das Escrituras, mas de um modo diferente, isto é, com unção e sentido. Os discípulos sentiam arder o coração, ao mesmo tempo, que compreendiam o que as Escrituras falavam de Jesus e sentiam animados e impulsionados para retomar a caminhada com ele e com os irmãos na fé e assumir a missão recebida do Senhor.
3. Animação bíblica
Uma das tarefas mais importantes de quem tem o privilégio da fé e capta o próprio Senhor nas Escrituras Sagradas, é fazer como fez Jesus, isto é, o de ajudar as pessoas a terem o ardor do coração pelo toque da Palavra, compreender por meio delas quem é Jesus e conseqüentemente fazerem o texto de Bíblia ser vida em suas próprias vidas.
Na verdade, isso o sabemos, o texto bíblico, ali impresso no papel ou outra superfície, precisa ser expresso, dinamizado, vivificado. Ora, aprender a ler bem e ter um bom cabedal de conhecimentos para perceber o que o texto diz em si mesmo é, sem dúvida importante, para não forçar ou torcer aquele escrito para que diga o que ali não está. Uma iniciação básica no modo de ler e meditar uma biblioteca tão antiga, como a Bíblia é, sem dúvida, de grande utilidade, aliás, uma necessidade. Entretanto, não se poder ficar apenas no conhecimento do texto e de seu contexto. É preciso ir mais a fundo e mais longe e é para isso que a Bíblia foi escrita.
Desde o Concílio Vaticano II (1962-1965) os fiéis católicos cada vez mais se aproximam com respeito, amor, fome e sede da Palavra de Deus, registrada na Bíblia. Mas não há como negar que ainda há muitas limitações neste acesso ao texto bíblico, a começar pela geral dificuldade de leitura de milhões de brasileiro devido a graves falhas na escola. Este é, sem dúvida, um grande entrave para a leitura da Bíblia, sua interpretação e proclamação.
Entre as diversas tarefas da Animação Bíblica, sem dúvida, obrigatoriamente, tem de estar o incentivo à leitura, ao aprender a ler bem, a interpretar, a proclamar, a escrever. Por mais que possamos suprir muitas dessas carências, por meio da capacidade de ouvir os outros que lêem e interpretam, pois somos de uma cultura não letrada, ficará para quem não sabe ler, sem dúvida alguma, uma lacuna imensa, já que pessoalmente não tem acesso direto ao texto bíblico.
A Constituição Dogmática “Dei Verbum” (Da Palavra de Deus), um texto fundamental do Concílio Vaticano II, pede que todos os fiéis católicos tenham sua Bíblia e tenham freqüente acesso a ela. Para isso orienta os pastores para prepararem bons orientadores bíblicos. Por sua vez, o Sínodo de 2008 não apenas retoma estas orientações do Concílio, mas dá motivações e orientações práticas para que a Bíblia se torne, efetivamente, o livro mais lido e orado pelos fiéis, para que eles se deixem embeber pela Palavra divina, vivam conforme a vontade de Deus que nela é expressa e, mais facilmente, entrem em comunhão com Jesus Cristo, a Palavra encarnada, Ele que está vivo entre nós.
4. A Pastoral, mediação privilegiada da Igreja em sua missão Pastoral vem de pastor, portanto, é a atividade pela qual a comunidade do Senhor Jesus, a Igreja, reúne, congrega, alimenta, corrige, cura e guia pessoas para se encontrarem pessoal e comunitariamente com Ele mesmo, como único Pastor e Senhor, e para se colocarem sob seu comando amoroso. Pastoral, segundo Jesus, o Bom Pastor por excelência (cf Jo 101-18), é a expressão do carinho paternal e maternal daquele que literalmente dá a sua vida por suas ovelhas e para que elas sejam salvas e tenham vida e vida em abundância (cf. Jo 10, 10).
O Pastor mobiliza e conduz as ovelhas por sua presença de liderança e por sua voz. As ovelhas reconhecem seu Pastor pelo seu modo de lidar com elas e pela voz, que é inconfundível.
A Igreja, para exercer bem o pastoreio de Jesus, necessita desenvolver uma liderança amorosa e expressar bem a Palavra de Deus, que é inconfundível, como voz do Senhor. Esta Palavra deve permear cada pastoral e o conjunto das atividades pastorais, que devem existir e atuar de modo orgânico, centradas em Jesus Cristo, nas Escrituras Sagradas, na força da Eucaristia, no amor da comunidade e na ação missionária.
Sabemos que somente o Espírito Santo é capaz de nos fazer captar a sabedoria que está misteriosamente escondida na Palavra das Escrituras. É ele quem nos fornece a luz que nos faz penetrar nos mistérios ou segredos que Deus nos quer comunicar mediante sua Palavra. É ele, como aconteceu com Maria, que nos fecunda da Palavra encarnada, Jesus Cristo. E é por isso, que o anúncio e a vivência da Palavra adquirem força profética, porque, possuídos pelo dinamismo do Espírito, falamos em nome do próprio Deus, com a veemência dele mesmo e com o poder que vem de seu amor libertador. Diante da ação do Espírito, o Magistério da Igreja e os exegetas, se colocam humildemente a serviço da Palavra para ajudar o povo na busca da escuta do Espírito.
Fala-se cada vez mais de animação bíblica de toda a pastoral (ABP), com o objetivo de indicar que a Sagrada Escritura não é um adendo à ação pastoral da Igreja, um livro para fundamentar teorias ou atividades, do qual tirar uma leitura ou um pensamento em que se apoiar, mas é a fonte permanente da vida mesma da Igreja, como o é a Sagrada Eucaristia. A animação bíblica visa injetar em cada fiel e em tudo o que a Igreja faz a força mesma da Palavra de Deus, que com a Eucaristia, leva ao encontro cada vez mais radical com Jesus Cristo, a Palavra encarnada, o Filho de Deus. Ora, se a missão maior da Igreja é evangelizar, se é esta a sua maior alegria, como realizá-la sem a prioridade da Palavra?
* Irmão Israel José Nery, fsc, da Congregação dos Irmãos de La Salle, é membro do GRECAT/CNBB, Presidente de SCALA (Sociedade de Catequetas Latinoamericanos), e tem 56 livros publicados.