“Levantai-vos e erguei a cabeça, porque
a vossa libertação está próxima” (Lc. 21,28)
1º Dom. Advento
Com a liturgia deste domingo inicia-se o “tempo do Advento” e um novo
“ano litúrgico” (Ano C – centrado no evangelista Lucas). Mais uma vez nos
disponibilizamos, através da oração e da vivência litúrgica, a viver mais
intensamente o Tempo do Advento e alargar nossas vidas para nele caber o
mistério do Natal.
Advento nos revela a presença da eternidade no coração do tempo. O Eterno
continua vindo, pelos caminhos mais imprevisíveis, iluminando a dura rotina e a
sequência do cotidiano. Advento é tempo de espera, de preparação e de chegada.
Tempo forte carregado de sentido, que nos faz ter acesso àquilo que é mais
humano em nós: o sentido da esperança, a travessia, o encontro com o novo...
tempo que nos arranca de nossas rotinas e modos fechados de viver.
A Vinda de Cristo é o grande evento que agita os corações, sacode as
inteligências, inquieta as pessoas, move as estruturas... Toda a nossa
vida se transforma na história de uma espera e de um encontro surpreendente. Por
isso, o Advento deveria ser um tempo para voltar-nos para o interior em meio à
agitação, e olhar para dentro de nós mesmos. Aí, no nosso interior, há tanto de
eterno. A eternidade dialoga com a gente, fala por dentro. Caminhamos para o
“Senhor que vem” à medida que mais nos adentramos ao fundo de nós mesmos e da
realidade. Advento nos convida a “contaminar-nos” da realidade; e isso nos
humaniza.
Somos “seres de travessia”. O Advento nos convida a não
perder de vista nosso horizonte, nossos objetivos, nosso propósito de investir
a vida, gratuitamente, naquilo que vale a pena. Cada momento é o “hoje”
de Deus; por isso o “fim” está sempre chegando. O Esperado traz uma
novidade que envolve e que se revela em cada rosto humano e em cada fragmento
de tempo, deste tempo colocado em nossas mãos. Contemplando o “hoje” de Deus, o
coração se alarga até o assombro, os braços se abrem para a acolhida, os pés se
movem para o encontro, os olhos se aquecem para o reconhecimento.
A liturgia nos propõe, neste começo do Advento, um texto que fala dos
“últimos dias”, como um convite a estarmos atentos, numa vigilância
esperançosa, para acolher “Aquele que vem”. Este relato pertence ao chamado
“gênero apocalíptico” que, para muitos, à primeira vista, pode significar o
“fim do mundo” acompanhado de catástrofes que desestabilizam tudo (o céu, a
terra e o mar), provocando medo e angústia.
No entanto, a palavra “apocalipse” (literalmente “levantar o véu”)
significa “revelação”. Os textos apocalípticos pretendem revelar o sentido
profundo (oculto) na história, pessoal e coletiva, e indicar que é Deus quem, a
todo instante, dirige os destinos da mesma. Tais textos são uma mensagem de
esperança. Lido e rezado em chave libertadora, este texto nos fala do
surgimento de um “mundo novo” que nos é dado de presente, depois de sacudir e
derrubar o velho mundo.
O “discurso apocalíptico” é uma mensagem de sabedoria que nos desperta e
nos faz sair de nossos medos, ansiedades, embotamentos... e experimentar a
Plenitude e a Libertação que o Presente contém e é. O decisivo é que
Cristo está vindo sempre. Se o encontro com Ele não acontece é porque
estamos adormecidos ou com a nossa atenção centrada em outras coisas (“gula,
embriaguez, preocupações da vida” – v. 34), apegados ao caduco e ao transitório
que não plenifica.
Diante do surgimento de um novo mundo requer-se “estar despertos”
e “levantar a cabeça”; e a pessoa “desperta” é, justamente, aquela que vê a
novidade em tudo; quem tem a cabeça erguida vislumbra novos horizontes. Ao
contrário, quem permanece adormecido, move-se no terreno da rotina, com o
coração atrofiado e a mente embotada pelos vícios e preocupações vazias.
Adormecidos, debatemo-nos entre o passado que se foi e o futuro que nunca
chega, escravos da ansiedade que nos faz viver fora do presente.
O Advento vem nos dizer que não há outra coisa a fazer senão viver
intensamente o momento presente. A plenitude está na consciência
do instante presente, onde o “Filho do Homem” se revela. No presente pleno,
tudo tem sabor de novidade, a percepção da própria identidade se amplia sem
limites, a consciência da comunhão com tudo e com todos se alarga...
Nesta perspectiva, o “discurso apocalíptico” nos alerta que somos
destinatários de um chamado para viver despertos em meio às dificuldades e
incertezas de nossos tempos. Muitas vezes, como “anciãos encurvados” e com a
“cabeça baixa” nos movemos sob o peso do legalismo, das tradições passadas, dos
fracassos, marcados pelo desalento e pela desesperança.
Há maneiras de viver que impedem a muitos de caminhar com a cabeça
erguida confiando nessa libertação definitiva: acostumados a viver com um
coração insensível e endurecido, buscam preencher a vida de bem-estar e falsas
seguranças, de costas ao Pai do Céu e aos seus filhos que sofrem na terra. Este
estilo de vida os fará cada vez menos humanos.
Advento é o momento de escutar o chamado que Jesus nos faz a todos:
“levantai-vos”, animai-vos uns aos outros”, “erguei a cabeça” com confiança.
Deus é Salvação e já está em nós. Basta despertar-nos e descobri-Lo. Esta
descoberta nos descentra de nós mesmos, nos projeta para o outros, para o
infinito e nos identifica com tudo e com todos.
O momento do encontro com “Aquele que vem” nos introduz na soleira de um
futuro novo e carregado de esperança, aquela esperança que dá sentido às nossas
atividades, liberta o coração da preocupação, expulsa toda ansiedade e
impulsiona a buscar o Reino. O fundamento da segurança e da serenidade
reside na consciência de estar nas mãos providentes de Deus.
O fiel discípulo de Jesus, descobrindo-se amado e protegido pela ternura
providente, se sente sempre a caminho, isto é, pronto a acolher cada fragmento
de luz e de vida, que fala da presença e da passagem de Deus. O presente,
tecido de partilha, solidariedade, misericórdia, mansidão, reveste o futuro de
luz.
A verdadeira segurança cresce no coração e na confiança de sermos
protegidos por um Deus que sabe o que precisamos e nos aguarda. É esta a
relação fundamental, fecunda e criativa, que possibilita o “êxodo” de nós
mesmos e a acolhida do “advento” do Outro e dos outros.
Texto bíblico: Lc. 21,25-28.34-36
Na oração: “Advento”: o Senhor vem... em sua direção! Ou
melhor, já chegou! Basta despertar-se para descobri-Lo e descobrir-se n’Ele.
Tome consciência do momento presente, deste único instante, aqui e agora,
carregado de Presença e permaneça nele. Deus é Salvação que se dá a todos em
cada instante.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI
26.11.2012